Millor Fernandes:


Jornalismo, por princípio, é oposição – oposição a tudo, inclusive à oposição. Ninguém deve ficar acima de qualquer suspeita; para o jornalista, não existem santos.

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terça-feira, 19 de maio de 2020

EPIFANIAS NO CAFÉ DA TARDE


Nesses mais de dez anos no magistério, desenvolvi duas habilidades que me ajudam muito a compreender o que acontece ao meu redor: a capacidade de ver um panorama geral e mapeá-lo nos detalhes e a capacidade de me aprofundar em algo e condensá-lo para transmitir aos demais. E é isso que tenho feito nesses 63 dias de quarentena (escrevo esse texto no dia 19 de maio, já estando em casa desde o dia 16 de março): observar e processar.

O que passei a observar – acompanhado de estudos feitos nos momentos em que não estou trabalhando nem tentando me entreter para não entrar em paranoia – foi basicamente o comportamento dos meus pares (professores), das pessoas comuns em relação a esse confinamento e a conduta do nosso maluco em exercício, Jair Messias. E cheguei a algumas conclusões a partir desses meus devaneios, na verdade, a uma conclusão, que passa invariavelmente pelo mesmo causador: a falta de educação – aqui no sentido acadêmico mesmo – brasileira e seu pouco apreço pelo Conhecimento. Mas, vamos por partes.

A primeira coisa que me chamou a atenção, logo nas duas primeiras semanas de fechamentos de toda ordem no Brasil (as escolas foram as primeiras a fechar), foi o despreparo e desespero da grande maioria dos professores em se adaptarem a essa realidade. Por que me chamou a atenção? Explicarei de forma sucinta: há alguns anos, as escolas privadas – de médio e grande porte em sua maioria e as pequenas em menor escala – adotam plataformas online (chamadas AVA – ambientes virtuais de aprendizado) entendendo que essa geração tem uma relação quase simbiótica com tecnologias móveis e é uma maneira de estender o conteúdo da sala de aula para fora do ambiente escolar. Além disso, há uma profusão de plataformas como essas, mas gratuitas; sem contar que nos currículos de formação de professores –seja graduação ou extensões – o domínio dessas ferramentas se faz presente.

Bem, onde quero chegar: a despeito de estarem disponíveis há pelo menos uma década, a despeito de estarem no currículo da formação docente, a despeito de já serem adotadas em muitas escolas, o que se viu foi um despreparo absurdo por parte dos docentes (antigos ou jovens) que, via de regra, deveriam ensinar aos alunos autonomia e prepará-los para a realidade. O que se viu foi a esmagadora maioria dos profissionais de ensino recusando-se a aprender novas tecnologias aplicáveis ao seu trabalho e que prepararia seus alunos para o mercado de trabalho ignorando o seu aprendizado nesses últimos anos devido a uma visão ludista dessas ferramentas. E o resultado foi a profusão de profissionais endossando o discurso de que o ano letivo deveria ser suspenso, que isso era ruim e contraproducente, que dessa forma só dariam conteúdo (!?) e dando razão aos pais que se recusavam a cumprir com sua obrigação de progenitores que é: educar seus filhos. E mesmo depois de adaptados, muitos desperdiçam a oportunidade de estarem em casa para se aprimorarem através de cursos gratuitos online disponíveis (considerando que a alegação de não se aprimorarem é a falta de tempo e recursos).

Daí parto para outra observação: o comportamento de pais que bradam que não se importam que seus filhos percam o ano letivo, que criticam as escolas por estarem criando meios de cumprirem com seu papel social. Essas pessoas apresentam o mesmo tipo de egoísmo e ignorância daquelas que saem sem máscara, que não se importam ou fazem pouco caso da pandemia, que são incapazes de compreender comandos simples ou, ainda, como bons palpiteiros, debatem até mesmo o uso de procedimentos ou medicamentos como se especialistas fossem.

Essas pessoas não estão preocupadas com seus filhos na verdade, apenas não querem ter trabalho ou ignoram a importância de se criar uma rotina para a criança em tempos de isolamento, não pesquisam ou tentam entender como é importante emocionalmente para os pequenos ter um senso de normalidade numa situação como essa. Assim como o outro exemplo, que não tem a real noção do quão grave é essa pandemia e faz troça, típico daqueles que ignoram as coisas mais básicas; são os que têm pouca capacidade cognitiva para compreender comandos simples e agir para a própria segurança. Assim como os professores citados acima, que são incapazes de usar uma ferramenta intuitiva ou entender uma frase simples de uma instrução, essas pessoas são incapazes até mesmo de entender como se usa uma máscara cirúrgica.

E esse comportamento típico de pessoas com baixa cognição ou baixa capacidade de reflexão é observado no nosso chefe de estado. Bolsonaro é o reflexo do brasileiro comum; todos nós temos um tio ou um vizinho com o mesmo perfil: tacanho, grosseiro, visão limítrofe, desdenhoso com quem sabe mais do que ele e ignorante aos preceitos mais básicos de civilidade. E esse perfil é refletido nas declarações e posturas dele como o pouco caso ao fazer piada enquanto se contabiliza dezenas de milhares de mortes de Covid-19, a irresponsabilidade de politizar uma tragédia pandêmica, impor sua vontade acima de especialistas, et reliqua. Ele, como os citados acima, ignora a ciência, despreza o conhecimento, não é capaz de compreender conceitos básicos e despreza as regras de civilidade ou, no seu caso, da liturgia do cargo que ocupa.

Mas como tudo isso se relaciona, irão me perguntar: simples, tudo é fruto de mais de 60 anos de deseducação no Brasil. O que faz com que tenhamos um povo como o nosso, que tenhamos presidentes como o Lula, a Dilma e Bolsonaro, que tenhamos professores que defendam a suspensão do ano letivo e aplaudam pais que se recusam a educar seus filhos é todo um histórico de práticas pedagógicas adotadas no país que desprezam o Conhecimento e adotam pedagogias que abraçam ideais igualitário e progressistas. São décadas de um programa de ensino que visa a formar professores, ano após ano, que preferem formar cidadãos críticos analfabetos funcionais a formarem cidadãos capacitados a ingressarem no mercado de trabalho e se tornarem autônomos (sim, já ouvi isso de um professor). É mais de meio século formando profissionais de ensino que abrem mão da pesquisa séria e racional e da busca pelo Conhecimento para legitimarem suas visões subjetivas e ideológicas.

E isso tudo, depois de todos esses anos de (intencional) formação precária dos profissionais de ensino, de formação de professores que deveriam abraçar o Conhecimento e sua busca como um credo (mas que o rejeita), depois de jogar em salas de aula essa turba de néscios com diploma, o que se vê é toda uma nação – independentemente da idade – no total vazio moral, na total ignorância, na plena incapacidade cognitiva. E essa população de homens-massa (para usar um termo de Ortega Y Gasset) acabam por eleger um dos seus, ano após ano, independentemente do que acreditem, na esperança de que o mentecapto em chefe possa guiá-los a um futuro promissor. E essa, senhores, é a nossa real tragédia: sermos neandertais em meio à civilização ocidental.

Kleryston Negreiros é professor de Língua Portuguesa da rede privada de ensino do Rio de Janeiro e especialista em Gestão educacional.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

A EDUCAÇÃO NO BRASIL MUITO ALÉM DOS CLICHÊS – UM RETRATO REAL DO QUE ESTÁ ACONTECENDO





Depois de política, o tema mais discutido por especialistas de redes sociais por essas bandas é a Educação. Tema caro a todos nós – do meio ou não – ele foi assunto recorrente nos últimos meses tanto pelas confusões promovidas na curtíssima gestão Velez, quanto pela queda de braços promovida pelo atual ministro, Abraham Weintraub, e profissionais da área que se sentem ameaçados por suas medidas e declarações, como no caso do contingenciamento dos gastos das universidades federais e as acusações do ministro quanto à doutrinação de professores e aliciamento de alunos.

Bem, não vou me ater a bate boca de Clotilde aqui, nem levantar bandeira a favor de qualquer lado, o que pretendo mostrar é que, apesar de muito falado, poucos tem a real compreensão de como é a educação no Brasil, mesmo os profissionais da área não se dão ao trabalho de pesquisar e a tentar entender de maneira pragmática o problema e, na esmagadora maioria das vezes, ficam repetindo bordões e frases feitas promovidas por políticos oportunistas ou sindicatos, que no mundo real mais atrapalham do que ajudam. E mesmo esses profissionais do ensino que não procuram olhar de forma racional o drama educacional brasileiro, não o fazem nem é por canalhice, mas por terem sido malformados e também condicionados para acreditarem e reproduzirem ad eternum esses clichês.

Uma prova disso foram os argumentos usados nas manifestações que vimos no último mês onde professores e alunos – não farei juízo de valor, nem falarei nada sobre ter havido ou não coação dos alunos por parte dos professores, não é o intuito desse artigo – dentre eles, o clichê da falta de investimentos na área. Só que hoje, por exemplo, o país investe 6% do PIB – parece pouco, mas é mais do que o Chile e o Uruguai, os melhores sistemas de ensino da América Latina – e tem uma meta de investir 10% até 2024 (mesmo patamar dos países da OCDE). Isto é, como poderá ser visto logo a seguir, investir mais não significa melhores resultados.

Pois bem, as mesmas pessoas que apregoam que faltam recursos na área, não fazem a menor ideia de como ou se há qualquer relação entre gastos e produtividade, também não fazem a menor ideia dos reais números ou qualquer informação e não se dão conta nem de que eles próprios, professores, também foram vítimas desse processo falido e que virou fábrica de analfabetos funcionais. Abaixo enumerarei alguns números que servem para mostrar a quantas anda a educação e que servirá para se entender até mesmo porque os professores por aqui são como são.

O problema educacional já começa na formação do profissional de ensino e culmina nos resultados que mostrarei em breve, criando um círculo vicioso de baixa qualidade de ensino, que leva a um profissional mal preparado, que leva uma baixa qualidade e assim por diante. Dois dados iniciais já dão a tônica de como é formado um professor nas melhores universidades do Brasil:
  1.            Os cursos de licenciatura por aqui – vamos ficar nos principais: Letras e Matemática – dedicam apenas de 5% a 11% da carga horária para disciplinas didáticas específicas, em cursos de pedagogia o percentual ainda é menor, 4%, ficando o restante da grade dedicado a estudos teóricos diversos como sociologia ou história da educação (esses ficam em torno de 22% as obrigatórias e 20% as optativas);
  2.            Metade dos professores em atividade no Brasil não escolheram essa profissão, ou seja, um em cada dois professores queria fazer outra coisa. Pensem um pouco: como você vai trabalhar com competência e dedicação se não é necessariamente aquilo que você quer fazer?


Os dois dados acima não foram tirados do éter, eles fazem parte de uma pesquisa patrocinada pela UNESCO e feita em 2009. Essa pesquisa foi conduzida por Bernadete Gatti, que desde os anos 1980 estuda a situação do docente no país. Esse estudo revelou também mais um dado: os cursos de licenciatura, por serem os menos concorridos, acabam atraindo os alunos com os menores rendimentos escolares já que o nível de exigência para passar é menor (a relação candidato/vaga em Matemática na Fuvest, por exemplo é de 3 para 1).

Pois bem, o que isso serve para ilustrar, vejamos: a profissão que, segundo os memes forma outras profissões, é a que menos atrai cabeças pensantes. Atraindo somente os menos capacitados e ainda tendo uma formação precária, o que temos aqui é uma roda viva de alunos malformados que vão para as salas de aula e formam mal outros alunos, que por sua vez, viram novos professores e entramos num ciclo sem fim. E esses professores despreparados ainda são alvos fáceis de teorias relativistas e coletivistas, como a Escola de Frankfurt ou a pedagogia do oprimido. A realidade é que, quando o ministro fala sobre doutrinação nas academias e professores vêm putos alegando que não foram, na real, eles nem se dão conta do que lhes foi feito, são fruto de 3, 4, gerações de professores imersas nessas teorias, para eles – professores – essa é a realidade, é o mundo a que foram apresentados desde sempre.
E onde isso nos leva? Aos números sobre educação que listarei abaixo. Hoje, temos no Brasil:
  •          29% de analfabetos funcionais na faixa entre 15 e 64 anos;
  •          21% de analfabetos rudimentares na mesma faixa;
  •          8% de analfabetos absolutos (25% desse número são maiores de 65 anos);
  •          41% dos brasileiros na faixa de 25 anos não concluíram o ensino médio (no Chile e na Coreia do Sul, por exemplo, esse número é de 14% e de 7,5%, respectivamente);
  •          35% dos estudantes reprovaram pelo menos uma vez durante a sua vida escolar (a média da OCDE é de 15%);
  •          26% dos alunos abandonam a escola.


Esses números, somados aos baixos salários e os problemas de saúde relacionados ao ofício docente (66% dos professores se afastam por razões médicas, sendo 87% relacionadas ao trabalho em sala de aula), dão a tônica do que é a educação no Brasil. Isso é uma observação racional, a partir da coleta de dados reais e que passa ao largo dos clichês do tema. Infelizmente, aqueles que deveriam olhar de forma clara esses números e fazer algo, os que estão na ponta de lança – professores e gestores educacionais – na maioria das vezes aumentam mais ainda esse drama, não intencionalmente, mas por serem também vítimas desse sistema perverso que destrói a inteligência do país e impede nosso desenvolvimento.

E quando vemos um professor indo para as ruas protestar pedindo mais intervenção do Estado, quando vemos um ministro da Educação com discursos simplistas, quando percebemos a cegueira dos profissionais de ensino sobre a nossa rotina, fica claro o quanto poucos têm a real noção do que está acontecendo e que, infelizmente, esse nó ainda demorará muito a desatar.

Fontes:
ALBERTAL, Adriana L. Os resultados no Pisa: reflexões sobre a educação no nosso país. Direcional Escolas: A revista do gestor escolar, São Paulo, 19 set. 2018. Disponível em: < https://direcionalescolas.com.br/os-resultados-do-pisa-reflexoes-sobre-a-educacao-no-nosso-pais/>. Acesso em: 14 mar. 2019.
BARROS, Daniel. País mal-educado: por que se aprende tão pouco nas escolas brasileiras? Rio de Janeiro: Record, 2018.
MELANDA, Francine Nesello. Violência física contra professores no espaço escolar: análise por modelos de equações estruturais. Trabalho de pós-graduação em Saúde Coletiva. Universidade Estatual de Londrina, Paraná, 2017, 12 p.
PALHARES e DIÓGENES, Isabela e Juliana. Três em cada dez são analfabetos funcionais no país. Estadão, São Paulo, 06 ago. 2018. Disponível em: <ttps://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,tres-em-cada-10-sao-analfabetos-funcionais-no-pais,70002432924>. Acesso em: 14 mar. 2019.
PIERI, Renan. Retratos da educação no Brasil. São Paulo: INSPER, 2018.
TEIXEIRA, Larissa. Ansiedade, estresse, dores de cabeça e insônia estão entre os principais problemas que afetam educadores, segundo estudo realizado pela NOVA ESCOLA. Nova Escola. São Paulo, 16 ago. 2018. Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/12302/pesquisa-indica-que-66-dos-professores-ja-precisaram-se-afastar-devido-a-problemas-de-saude>. Acesso em: 14 mar. 2019.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

GAROTA EXEMPLAR E A EXALTAÇÃO À INFÂMIA




A desgraça alheia sempre causou fascínio nas pessoas. A fofoca, calúnia, o disse-me-disse sempre foi o assunto preferido da vizinhança e sempre rendeu histórias interessantes tanto que, com o advento dos reality shows, programas de auditório que exploram as mazelas dos mais humildes e as redes sociais, a infâmia atingiu seu apogeu. E se alguém brilhante, inteligente, que soubesse como ninguém ler a mente das pessoas (um psicólogo, por exemplo) e tivesse paciência e meticulosidade para usar essa máquina da injúria para destruir um desafeto? O que essa pessoa seria capaz de fazer? E se bastasse fazer com que acreditassem que alguém (um homem principalmente) cometesse algum crime, mesmo sem provas, ou provas forjadas, se bastassem as palavras de uma mulher vitimada (mesmo não provada), mas de caráter dúbio e com deliberada intenção de destruir um homem, por puro desejo de vingança? Eis o que nos traz a dica de hoje, Garota Exemplar.

A obra da jornalista norte americana Lillian Flynn, lançado em 2012 e adaptada para o cinema dois anos depois, foi laureado por sua trama surpreendente, cheias de reviravoltas e por mostrar quão extremados podem ser os atos de um casal que passa a se odiar e como pode ser contundente e destrutiva a vingança. Não pretendo falar da obra em si porque teve sucesso tanto no cinema quanto na literatura e a sua narrativa é bem conhecida (ou pelo menos deveria). Um ponto que nenhuma crítica se empenhou em observar na época de lançamento do livro e do filme e que é crucial para o desenrolar da narrativa é como a imprensa e as mídias podem ser o céu e o inferno na vida de alguém e como a justiça e opinião pública, com o avanço do politicamente correto, transformaram uma proteção em máquina de destruir reputações masculinas.

Realmente o livro é impactante. A trama tem a qualidade de agradar a leitores iniciantes e iniciados, vou me explicar: para leitores mais acostumados a tramas de suspenses, fica claro desde o início (um pouco de spoiler) que o marido Nick Dunne é inocente. Com duas vozes paralelas – a dele contando o que aconteceu a partir do desaparecimento da esposa, Amy Elliot Dunne, e a dela através de seu diário que vai contando como se conheceram até seu desaparecimento. Uma vida perfeita, um casal perfeito, uma mulher perfeita. Chegamos a acreditar nas evidências de que ele é realmente o culpado e ver por quanto tempo ele sustentará a farsa. Assíduos desse tipo de narrativa percebem que tudo é uma mentira contada por ela e o que prende ao livro e descobrir como Amy consegue criar uma cena de crime tão perfeita que o seu esposo não consegue se desvencilhar. Para leitores menos experientes, mesmo esses mecanismos não dão a pista de que a jovem é a vilã da história. Ponto para autora que sabe prender vários tipos de leitores, porém esse não o meu ponto de vista e que me chamou a atenção no romance, vamos a ele.

A forma como Amy deixa as pistas leva todos a suspeitarem de seu marido, como já foi dito. Mas a vida de Dunne começa a desmoronar quando cai na mídia e a imprensa começa a acompanhar todos os rumos da história. Acampam na frente de sua casa para manter a atenção dos espectadores, fazem especulações e inflamam a já delicada situação. Apresentadores sensacionalistas se aproveitando de todo o clamor popular começam a tomar partido e o que era a vida pacata de um homem comum vira um inferno de invasão de privacidade e destruição de reputação.

Mesmo quando a esposa volta e muda todo o rumo da narrativa (outro spoiler), a mídia televisiva e da internet tentam tirar proveito. Uma fala que descreve bem o que está acontecendo é a do advogado que, num dado momento, diz que os argumentos de Nick não dão tv boa, ou seja, não jogam a opinião pública e os possíveis juízes no seu provável julgamento a seu favor.

Sendo jornalista, a autora conhece bem esse meio. Nós, como consumidores de mídias também e somos ávidos por histórias empolgantes e sórdidas, faz-nos ver como nossas vidas no fundo são boas. E essa imprensa sensacionalista que vive de escândalos é mostrada de forma como realmente é: não importa quem diz a verdade, o que importa é uma boa fofoca, que venda e dê audiência. A protagonista é uma psicóloga metódica e disciplinada, ela conduz nós, leitores, e jornalistas a acreditar e a odiar seu marido. O advogado, sendo o melhor nesse tipo de caso – conflitos conjugais que terminam em crime – também conhece esses profissionais e faz o protagonista ser admirado e perdoado. Quando Amy volta (mesmo com uma história com furos) e reata com seu esposo, ambos se tornam os queridinhos da América. É uma crítica contundente tudo isso. A autora usa a trama para mostrar como existe e funciona essa indústria da infâmia que alimenta sites e revistas de fofoca, programas que exibem o pior das relações humanas, Flynn expõe o lado negro do quarto poder.

E eu fiquei pensando nesse livro durante esses dias ao ver o filme (confesso que pela primeira vez) e acompanhar um tanto dispersamente o caso do estupro do Neymar. Sem fazer qualquer defesa ou apologia ao menino Ney (nem simpatizo com ele, aliás), acho inclusive que ele foi no mínimo ingênuo – para não dizer burro – de cair numa armadilha dessas. O que me reportou ao caso foi o fato de que ele não é o primeiro a cair nesses golpes oportunistas de mulheres que querem se favorecer às custas de famosos e, ao não conseguirem seu intento (um casamento ou pelo menos um filho – o mais fácil), partem para a vingança usando toda a máquina jurídica e de mídia contra o infeliz.


Ao fazerem uso de maneira premeditada de legislações que protegem as mulheres e do senso comum e politicamente correto de que o homem é a personificação e que qualquer mulher estará sempre acima de qualquer suspeita, elas acabam destruindo a reputação de homens públicos ou nem tão renomados assim. É comum vermos casos de denúncias de estupros ou agressões que levam muitas vezes homens corretos que só não quiseram continuar uma relação, talvez, e só depois de algum tempo, no decorrer do processo, descobre-se que a denúncia foi falsa, mas já tendo destruído a vida do sujeito, seja famoso ou não.

Mas o pior de tudo isso é o efeito colateral dessas denúncias falsas, principalmente as cercadas de sensacionalismo. Devido ao crescente número desse tipo de denúncia, o que passa a acontecer é que essas ferramentas de proteção das mulheres, que são relevantes – não desconsideremos que existem muitos indivíduos merecedores de muita porrada pela forma como tratam suas companheiras, sujeitos que mereciam serem empalados por cada porrada dada numa mulher – perdem a confiança da opinião pública. Para cada denúncia falsa desse tipo (considerando que no momento desse texto, o Neymar ainda está sob investigação) todo o aparato da justiça deixa de ser direcionado a quem realmente precisa e no caso de pessoas públicas, faz com que essas notícias percam sua importância.

Eu poderia ficar horas aqui enumerando casos de denúncias falsas e como isso se assemelha ao enredo do livro, mas por hora, deixo a dica de leitura, o toque para possíveis leitoras para que sejam mais responsáveis e cuidadosas nas suas escolhas – a começar pela escolha do parceiro – e para os possíveis leitores que mesmo não sendo o Neymar, devem ficar espertos com as garotas exemplares que podem cruzar seu caminho. Até a próxima.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

O SENHOR DAS MOSCAS – O QUE HÁ DE MAIS VIL NA CONDIÇÃO HUMANA



Em aulas de Literatura, eu costumo falar de uma linha filosófica iluminista, idealizada por Rousseau, chamada "mito do bom-selvagem". Segundo o filósofo, o homem é naturalmente bom e o que o corrompe é a sociedade, ou seja, em seu estado primitivo ele é puro e livre dos males morais que nos aflige desde que saímos da caverna. Esse pensamento é muito utilizado, por exemplo, por progressistas em geral quando defendem que criminosos agem barbaramente por serem vítimas de uma sociedade opressora e que não lhes dão oportunidades.

Mas, será que realmente somos bons se optarmos por uma vida autóctone e fora da civilização? Será que, sem regras ou freios morais, somos realmente bons, puros e cordiais? Hoje, por acaso, deparei-me com uma notícia que faz essa teoria cair por terra. Quatro meninas, entre 13 e 16 anos, torturam uma outra de 14 anos somente porque esta convidou o ex-namorado de uma delas para sua festa de 15 anos. Foi algo hediondo, dentre as “delicadezas” que fizeram, as meninas arrancaram o aparelho dentário da vítima com uma faca. Foi algo brutal e me levou a pensar até que ponto somos vis, até onde o ser humano é capaz de descer, de perder sua humanidade. E esse questionamento me levou ao livro O Senhor das Moscas, de William Golding.

Escrito em 1954, narra a história de um grupo de crianças entre 6 e 12 anos que naufragam numa ilha (não especificada) e precisam se organizar até chegar algum socorro. Com uma narrativa ágil e sem muitos rodeios, o romance mostra o embate entre a necessidade de manter um traço de civilidade e organização - através da liderança de Ralph - e a formação de uma sociedade livre e nova, mas também violenta - através da liderança de Jack, líder dos caçadores - tendo como mediador e com um pensamento maduro, porém inseguro, Porquinho.

É na dicotomia entre os dois antagonistas, Ralph e Jack, que pode ser percebido o questionamento dessa forma de pensar. O grupo está longe de qualquer civilização, porém tentam, num primeiro instante, um tipo de organização coletiva simbolizada pela concha. Cada um tem a palavra ao segurar o artefato, ele exerce a figura simbólica do poder da palavra. Quando a liderança é dada a Ralph, Jack, tomado de vaidade, se coloca como caçador e começa a questionar até mesmo a autoridade da concha.

Com o avança da narrativa, o caçador e seu comandados começam, cada vez mais, a se afastar de seus traços civilizatórios - no início são apresentados como um coral. A medida que Jack percebe sua liderança crescendo por conta da carne que ele passa a trazer através da caça e a tentativa de Ralph de liderá-los num comportamento disciplinado que, acredita ele, os farão ser resgatados, percebemos como, num meio hostil e sem amarras morais e/ou legais o ser humano pode se tornar tão cruel ou mais cruel que qualquer animal selvagem.

Esse comportamento bestializado dos caçadores pode ser percebido na postura dessas meninas - "No nosso pensamento, nós ia bater nela e ela ia morrer e nós ia enterrar ela” (palavras delas). Numa sociedade cada vez mais complacente com delitos de menores e com um código penal cada vez mais acolhedor a quem comete crimes, pessoas com pouco ou nenhum valor moral sente-se impelido a fazer o que lhe der prazer e se matar for isso, se houver a certeza de que sairá impune, não pensará duas vezes e cometerá os atos mais vis, basta lembrar do caso Champinha.

E quando me refiro a valores morais, refiro no caso dos adolescentes a permissividade legal, mas também a familiar. Cada vez mais mimados e com a ideia de que o mundo gira em torno de seus umbigos, esses proto-delinquentes agem como pequenos tiranos e são capazes de mentir, ferir, agredir e até matar se suas vontades não forem atendidas ou caso sintam-se preteridos. São jovens que não reconhecem qualquer voz de comando e não reconhecem qualquer regra como uma regra de convivência social, agem como Jack, que se vê livre, sem qualquer adulto e passa a fazer o que lhe vem à mente e mata a ser contrariado.

Não estragarei o final, mas vale ressaltar que, diferente do que acreditava Rousseau, o homem não é naturalmente bom. É possível perceber que, quando os caçadores se deixam levar por seus instintos mais íntimos e renegam qualquer traço que um dia os ligou ao mundo convencional, tornam-se assassinos cruéis, capazes de matar sem qualquer remorso ou piedade e chegam ao extremo de incendiar toda uma parte da ilha para matar um dos garotos. Da mesma forma que o sentimento de impunidade faz com que pessoas, independentemente da idade, sejam capazes das atitudes mais cruéis. Bem, essa é a dica de leitura da semana, O Senhor das Moscas, que leva a reflexão do que nos torna humano e o que pode nos desumanizar. Até a próxima.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Letreiro Digital: O MITO DO GOVERNO GRÁTIS – UMA SOLUÇÃO PARA OS PROBLEMAS DO PAÍS

Por Kajotha Medeiros,

Estamos no apagar da luzes de 2014. Essa coluna, por exemplo está sendo escrita no fim do feriado do Natal e quando, você leitor amigo, estiver lendo estas mal traçadas linhas, provavelmente estaremos celebrando 2015 ou perto disso, E esse período é sempre destinado a reflexões, resoluções para o ano que virá e inventário dos erros e acertos para entrarmos de forma positiva no ano que virá. Bem, dentre minhas avaliações, não poderia ficar de fora questões políticas (assunto que me interessa bastante), portanto, fechei o ano com uma leitura que faz um balanço do país e do que podemos esperar ou reivindicar para, não só 2015, como os próximos anos que virão. Essa é a dica da semana: O Mito do Governo Grátis.


O autor do livro, Paulo Rabello de Castro, é doutor em economia pela Universidade de Chicago e nome respeitado aqui no país. Sua obra traz, de maneira clara e simples, como funciona um governo assistencialista – ou como ele chama, governo grátis – e de que forma o cidadão comum pode se proteger e fazer com que isso pare de acontecer em seu país.


O Mito do Governo Grátis

Com um texto envolvente e de fácil compreensão até mesmo para quem nunca estudou economia na vida (o meu caso, por exemplo) vamos percebendo como aqui no Brasil caímos nesse armadilha, além de mostrar exemplos de outros países de vários continentes que adotam ou adotaram essa prática. E isso é um dos pontos positivos do livro. Paulo não se prende só ao país e acusa suas falhas, o autor apresenta exemplos de países com culturas histórias diferentes mas que caíram na mesma armadilha estatal.

Da mesma forma que mostra os erros de outras nações, o economista tem o cuidado de mostrar os acertos de outros povos que em algum momento de sua trajetória se deixou levar pelo assitencialismo perdulário, porém soube virar o jogo e recuperar as finanças de suas terras trazendo avanços econômicos e sociais. É interessante isso porque mostra que é possível reverter uma situação adversa por mais que a economia de um lugar esteja desarrumada.

Percebam que a obra é divida, primeiro explica o que é governo grátis, depois como o Brasil se enquadra nesse perfil. Depois apresenta países com a mesma postura e outros que resolveram o problema. Ou seja, ele mostra o quadro completo trazendo o problema e possíveis soluções. No fim, ele ilustra uma série de medidas simples que poderiam de uma maneira eficiente nos livraria desse mal que atrapalha tanto o avanço e a melhora de vida dos brasileiro.

E essa é a minha dica para essa virada de ano. Um livro esclarecedor, que vai levar você a refletir sobre seu papel como cidadão e, principalmente, qual deverá ser sua reivindicadão por um brasil mais justo e avançado. Ajudará até mesmo a rever seus ideais políticos e sociais. Desejo a todos os leitores dessa coluna boas festas, um ano de 2015 repleto de alegria, sucesso e realizações e muita leitura para todos.

Um abraço.


Publicado originalmente: http://vistolivre.xpg.uol.com.br/2014/12/o-mito-governo-gratis-uma-solucao-para-os-problemas-pais


"Se a prudência da reserva e decoro indica o silenciar em algumas circunstâncias, em outras, uma prudência de uma ordem maior pode justificar a atitude de dizer o que pensamos." - (Edmund Burke)