Millor Fernandes:


Jornalismo, por princípio, é oposição – oposição a tudo, inclusive à oposição. Ninguém deve ficar acima de qualquer suspeita; para o jornalista, não existem santos.

quarta-feira, 26 de abril de 2017

NÓS – QUANDO O COLETIVO SUPERA O INDIVÍDUO


Por Kleryston Negreiros

Acabo de ler mais uma distopia simultaneamente à essa mobilização de greve geral marcada para dia 28 de abril. Com a massificação da manifestação sendo promovida pelos sindicatos, usando como justificativa a reforma da previdência (reforma essa defendida pela então presidenta Dilma e com um congresso que não mudou do seu mandato para cá) e com a adesão irrestrita da grande maioria dos professores, não consegui evitar uma analogia da obra com a mentalidade irreflexiva e repetidora de ideias que prejudicam a nós próprios, mas que não conseguem enxergar por já estarem imersos nessa ”lobotomização” ideológica.


Escrito entre 1920 e 1921 pelo escritor russo Yevgeny Zamyatin, ex-bolchevique e crítico do regime soviético, a obra descreve uma sociedade do século XXX que abriu mão de sua liberdade em troca de igualdade. Nela, as pessoas não possuem nomes e são identificadas por números (os protagonistas são D-403 e a mulher que desperta o seu interesse desencadeando tudo, E-330), vivem em quartos com paredes de vidro transparentes aos olhos de todos, todos os horários e tarefas são definidos pelo Estado e até mesmo um simples passeio na rua é controlado com hora certa e como as pessoas devem andar.

É nesse ambiente que D-403 se vê envolvido num levante rebelde ao se apaixonar pela misteriosa e envolvente E-330. Ao se perceber apaixonado pela jovem e não sabendo lidar com algo fora da racionalidade, ele começa a entrar em conflito consigo mesmo pois acredita cegamente no discurso do Grande Benfeitor e no Estado Único, que proporcionou essa felicidade simples ao tirar todas as liberdades individuais. O livro como um todo tem muitos traços com obras como 1984, Admirável Mundo Novo e Cântico (o primeiro e o último forte e oficialmente influenciado pela obra).

Quando comecei a ler a obra fiquei com a ideia de falar justamente sobre a relação indivíduoXcoletivo, mas ao ver o comportamento de colegas essa semana e até a postura de escolas privadas – tão prejudicadas em suas rotinas por conta de uma carga de regras e tributações que faz com que seja um ato heroico manter uma escola – defendendo algo que tolhe suas liberdades, prejudica seus ganhos e ainda prejudica aqueles que mais precisam hoje: os alunos. Eles vendem a ideia de que lutam por aqueles a quem mais prejudicam.
Assim como as personagens da obra que em dado momento abrem mão até mesmo da sua racionalidade numa operação de lobotomia, a qual se submetem voluntariamente, os profissionais de ensino abrem mão de ganhos maiores, de melhor mercado de trabalho, de um mercado aberto com oportunidade a todos os que se dedicam verdadeiramente a ensinar, em troca de “benefícios” que estrangulam os salários, encolhem o mercado, criam um ambiente hostil para quem inicia a carreira e lutam para manter tudo que mais prejudica à categoria em particular e aos outros trabalhadores de modo geral.


E vão repetindo as falácias dos sindicatos, que intimidam aqueles que não se igualam ideologicamente, intimidam escolas com ameaças de processos trabalhistas. Vão atrapalhando a vida dos alunos que precisam adquirir conhecimento e são aliciados a abraçarem uma causa que não é sua e que vai prejudicá-los num futuro bem próximo e atrapalham os pais lhes causando danos até mesmo financeiros em alguns casos.

Na obra, o protagonista é submete forçosamente a passar pela cirurgia, muitos vão por conta própria. Assim é aqui no mundo real, na nossa distopia diária, aqueles que não apoiam esse tipo de extorsão são obrigados a aderir o por que a escola não funcionará ou por que o meio de transporte que usa adere. O segundo caso é o meu. São trabalhadores que ignoram a realidade, são pessoas com formação e que, em tese, são formadores de conhecimento, mas que ignoram algo básico: a realidade, e lutam por seus maiores algozes com um amor devocional de um acólito. Sim, meus caros, continuo a repetir que vivemos uma distopia, a mãe de todas elas e assim como as demais esse foi mais um alerta que se tornou profecia ou manual de conduta sombrio. Até a próxima.

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