A princípio, pensei em nomear este ensaio como “Corrupção Institucionalizada”, mas quis evitar más interpretações. Trato de corrupção, certamente, mas não essa corrupção política como mensalão e petrolão. A corrupção a que me refiro é moral, mas institucionalizada através das nossas leis e instituições.
Se o que falei lhe soa confuso, faço uma pergunta simples: é
realmente plausível esperar um país de gente honesta e competente quando existe
um sistema legal que premia a irresponsabilidade e a incompetência? Como já
disse a filósofa russo-americana Ayn Rand, quando você perceber que a corrupção
é recompensada e a honestidade se torna autossacrifício, estamos à beira do
abismo.
Veja como até a nossa constituição é contraditória neste
ponto. Começa dizendo que todo cidadão é igual perante a lei e tem direito à
vida, à propriedade e liberdade. Entretanto, não existe nenhuma sessão falando
de crimes contra a liberdade, mas sim limitando-a em todos os pormenores, a
ponto de microgerenciar a vida dos cidadãos e não reconhecer nem ao mesmo a
forma mais básica de liberdade: a liberdade de associação.
Liberdade de associação significa que o cidadão deve ser
livre para celebrar acordos e se relacionar apenas com quem ele quiser e nos
termos que quiser. Oras, se os termos de determinada relação não são
aceitáveis, basta rejeitar tal relação e buscar uma que seja aceitável. Claro
que é necessário o consentimento, caso contrário deixa de ser liberdade e passa
a ser uma mera imposição arbitrária, justamente o que nossa legislação faz ao
ditar regras para as relações entre patrão e empregado ou mesmo entre
consumidor e fornecedor. Segundo esta mentalidade, é quase como se o patrão
tivesse o poder de forçar o empregado a “consentir” com um regime de
semi-escravidão sem a “segurança” da CLT e leis trabalhistas.
Faz um tempo estava conversando com uma amiga, advogada, em
que discutíamos a lei da injúria e de reparação por “danos morais”, que
considero excrescências jurídicas, uma vez que premiam o cidadão por ser
emocionalmente vulnerável e condenam o réu por algo que ele sequer tem culpa.
Na ocasião, ela explicou que, pelo menos a princípio, o dano moral existe
quando há algum dano psicológico irreversível que cause problemas à vida do
cidadão. Por exemplo, quando o indivíduo é vítima de perseguição ou tortura. O
problema é que com o tempo esta distinção se esvaiu, a ponto de qualquer
dissabor do dia-a-dia ser elevado à categoria da dor moral. Chovem processos
nos juizados especiais de reparação por danos morais pelo “horror” de esperar
20 minutos numa fila de banco e ainda ser mal atendido. Ou, no caso mais
recente, da tentativa de criminalizar o bullying nas escolas. Em breve, não ter
que conviver com gente insuportável será alçada à categoria de “direitos
humanos”.
Creio que este exemplo é mais do que simbólico do que quero
dizer: muito da corrupção que existe acontece não apesar das leis, mas por causa delas. Termos leis demasiado
subjetivas e arbitrárias é um convite demasiado tentador para que vigaristas e
oportunistas se contenham. Cria-se um incentivo para que a reação das pessoas
diante de uma ofensa seja abrir um processo judicial, ao invés de resolver suas
diferenças como adultos maduros e civilizados.
Ironicamente,
o maior defensor da sociedade de mercado, Adam Smith, já temia que a
riqueza proporcionada pela mesma geraria uma corrupção moral da
sociedade. De acordo com o filósofo Luiz Felipe Pondé, "Smith temia que a sociedade de mercado causasse um enfraquecimento das
virtudes heroicas. A perda dessas virtudes...
apareceria na covardia generalizada e no vício do bem-estar, material e
imaterial". Certíssimo! Uma geração demasiado
acostumada ao conforto e à vida fácil fica mimada, a ponto de acharem que “tem o
direito” a qualquer coisa que achem desejável. Quero, logo tenho o direito.
Quem há de satisfazer tal demanda ou como ela interfere com a liberdade alheia
são preocupações que passam anos-luz de distância de qualquer grupinho que se
ache injustiçado e que sai por aí reclamando “direitos”. Que o diga o pessoal
do movimento passe-livre e similares.
Estes são apenas alguns exemplos de como a lei pode corromper
a moral dos cidadãos. Claro que nada disso seria possível sem uma visão
perigosa e enviesada dos “direitos”. Creio eu que poucas coisas corrompem mais
a alma humana do que a tendência moderna de transformar direitos negativos em
positivos.
Para aqueles que não estão acostumados com estes conceitos,
explico. Todo direito impõe um dever sobre os outros. Quando este dever é o de
uma inação, é direito negativo. Quando é o dever a uma ação, é positivo. O
direito de livre expressão é negativo na medida em que significa que o cidadão
é livre para expressar suas ideias sem temer uma retaliação violenta ou censura.
Ou seja: o dever imposto a terceiros é o de uma inação, o de se abster de
retaliação ou comportamento violento a fim de impedir que um cidadão expresse
suas ideias. Já num seguro de saúde, se digo que tenho o “direito a um leito no
hospital”, este direito é positivo: significa que alguém (no caso, a
seguradora) tem o dever de me fornecer um leito hospitalar.
Dito de outra forma, quando transformamos direitos negativos
em positivos, acabamos por incentivar apenas a promoção de queixas e demandas,
onde as pessoas creem que o mundo lhes deve algo a troco de nada pelo mero
fato de nos agraciarem com sua presença. Não seria de se espantar se isso levar
as pessoas a terem um comportamento mais mesquinho e ingrato.
Um exemplo para deixar mais claro: quando o “direito de ser
mãe” é negativo, isso significa que ninguém pode impedi-la de engravidar e ser
mãe. Quando se torna positivo, passa a significar que outros devem fornecê-la
com o necessário para a maternidade. Em outras palavras, ela deixa de arcar com
o fardo da irresponsabilidade sexual, transferindo-a para terceiros que nada
tem a ver com esta decisão.
Quando isto acontece, os direitos deixam de assegurar nossa
liberdade, e passam a agir contra ela. Só existe liberdade onde há
responsabilidade. Sem responsabilidade é impossível haver decisões racionais,
há apenas a satisfação de caprichos arbitrários. De que outra maneira seria
possível fazer com que outros arquem com o fardo de minha irresponsabilidade que
não seja cercear-lhes a liberdade, forçando-os a pagar o preço de decisões que
eles não tomaram e da qual não possuem qualquer envolvimento direto?
Darei outro exemplo para ficar mais claro. Veja o caos nas escolas modernas. Em nome da
"liberdade" irrestrita dos alunos (que não pode ser chamada de
liberdade sem a contrapartida da responsabilidade), toda a relação de
autoridade e respeito que existia entre pais, alunos e professores se está
esvaindo. Acabou se criando uma legião de miniditadores, onde as relações entre
alunos, pais e mestres foi convertida em uma mera disputa pelo poder. Sem uma
autoridade moral para impor limites, a única autoridade restante é aquela da
força bruta. Todos aqueles que querem estudar a sério tem sua liberdade tolhida
devido aos arruaceiros que impossibilitam o estudo e transformam a sala de aula
em um verdadeiro inferno.
Eis a ironia final: liberdade sem
responsabilidade acaba se convertendo no seu exato oposto. Isto não é meramente
acidental, mas sim a consequência lógica de se transformar direitos negativos
em positivos e acreditar que basta declarar que determinado resultado seja um
“direito” que ele automaticamente poderá ser satisfeito para todos, por mais
desejável que seja. É como se bastasse declarar que todos tem o direito a uma
alimentação adequada que os celeiros magicamente se encheriam de trigo.
Lembro-me de ter visto um tempo atrás
cartazes de algum grupo de esquerda que diziam “contra a direita, por
direitos”. Acreditam piamente que quem é de direita o é por pura má-fé de gente
que quer tolher os direitos alheios, e não por serem pessoas com uma visão
diferente de mundo e cuja concepção da realidade não permite tais devaneios.
Temo pelo dia onde discussões sobre
direitos se transformarão em um verdadeiro festival de demandas a fim de
satisfazer os egos de pessoas mimadas e imaturas. O direito a um “julgamento
justo”, por exemplo, deixará de significar que todos devem ser julgados
(judicialmente) pelos mesmos padrões e passará a significar fazer o que se quer
sem ser julgado por ninguém. Ser “vítima” do julgamento e do preconceito alheio
passará a ser visto como a pior das injustiças.
Tais “direitos” são completamente
insustentáveis e, cedo ou tarde, suas contradições internas cobrarão o preço.
Basta ver o caos que se tornou a Grécia ao querer encher seus cidadãos de
direitos sem se preocupar com quem paga a conta.
Ainda vai levar muito tempo para nos
vermos livres dessa praga. Espero apenas que não seja tarde demais.
Ótimo texto!!!
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