Millor Fernandes:


Jornalismo, por princípio, é oposição – oposição a tudo, inclusive à oposição. Ninguém deve ficar acima de qualquer suspeita; para o jornalista, não existem santos.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

As crônicas de um mineiro no Rio de Janeiro

Essa cidade é, de fato, um caso único em todo o mundo.

Por João Luis Jr

"Três coisas que aconteceram comigo nesses meus seis anos no Rio de Janeiro e que talvez não tenham ligação direta com o fato de eu estar no Rio de Janeiro mas eu vou sempre associar com o fato de que eu tava no Rio de Janeiro".

- O ano era 2009, eu era apenas um garoto de óculos recém-chegado do interior e, após me apresentar no meu emprego novo, ali na região da cidade nova, fui pegar, sozinho, meu primeiro ônibus em direção à rodoviária, na intenção de voltar pra juiz de fora e dizer pra minha mãe que tava tudo bem, confirmado, eu ia mudar de cidade, o beliche era todo do Júlio agora. “é muito fácil”, me disseram. “o ônibus pra rodoviária tá escrito rodoviária nele, ele vai te deixar na rodoviária”, me disseram. veio o ônibus, nele tava escrito rodoviária. eu entrei. munido daquela desconfiança praticamente genética que habita o corpo do cidadão mineiro, eu, mesmo vendo que na frente dizia rodoviária, mesmo vendo que do lado dizia rodoviária, mesmo vendo que dentro dizia rodoviária, perguntei pro motorista “esse ônibus vai pra rodoviária?”. ele falou “não”. eu imaginei que fosse ironia, mas na cara dele não se lia ironia, e ele tava me esperando descer. aí eu falei “não? mas aqui diz rodoviária”. aí ele falou “tá falando sério?”. eu falei “tô”. aí ele saiu do ônibus, olhou lá fora e falou “PUTAQUEPARIU, CARALHO” e voltou pra dentro do ônibus. “PUTA MERDA, ele repetiu”. e aí ele gritou lá pra trás “AGORA TAMOS INDO PRA RODOVIÁRIA, PRA RODOVIÁRIA”. no caminho pra rodoviária o ônibus bateu de leve numa kombi mas chegamos bem. eu até hoje prefiro andar de metrô no rio de janeiro.

- Aí o ano já era 2014 e eu tinha decidido fazer meus próprios picolés de coco. não queria comprar picolé de coco, não queria comprar sorvete de coco, eu queria fazer meus picolés. e também não queria usar leite de coco, essência de coco, eu queria viver a experiência de comprar o coco, usar a saborosa polpa do coco, bater essa polpa do coco com leite e açúcar, fazer meus próprios picolés. pra isso eu fui no hortifruti, comprei dois cocos e fui ali, animado, satisfeito, chego até mesmo a dizer, jubiloso, pra casa. chegando lá notei que eu não tinha onde quebrar o coco. não dava pra quebrar na pia, não dava pra quebrar no chão, tentei segurar com uma mão e bater com a outra usando um martelo, depois uma faca, apenas me cortei, o martelo quebrou um prato, não tava legal. saí com o coco. perguntei pro porteiro onde no prédio eu podia quebrar um coco e ele me olhou como se eu fosse um locatário de pijama segurando um coco, uma faca, meio sujo de sangue, perguntando onde poderia quebrar um coco. me sugeriu quebrar o coco na rua. eu saí, fui pra rua. caminhei com o coco pela minha rua, segurando um saco plástico, até achar um beco mais escondido. olhei pros lados, confirmei que eu estava sozinho. coloquei o coco no saco plástico. atirei o coco no chão. uma vez. duas vezes. antes que eu atirasse a terceira uma senhora apareceu na janela gritando TIRO, TIRO, TIRO e um porteiro surgiu na minha frente e algumas pessoas falaram em chamar a polícia. relatei isso pra minha namorada e ela me disse que é possível achar coco fresco ralado pra vender, ela não entendeu por que eu tentei resolver isso assim.

- Acho que isso faz um tempinho. eu tava esperando pra atravessar a rua saindo do metrô, do trabalho pra casa, quando o sinal ficou verde pros pedestres. um carro, mesmo diante do sinal vermelho pra ele, foi acelerando até parar exatamente em cima da faixa. eu, já mal-humorado após um dia cansativo e lembrando que todo dia é dia de ironia no meu coração, resolvi bater palmas acintosamente pro cara que estava estacionado em cima da faixa enquanto passava na frente do carro. aí ele abriu a porta dele e saiu correndo atrás de mim segurando o que parecia ser um pedaço de madeira, deixando o carro pra trás, aberto no meio da rua, com o sinal verde pra ele. eu corri dele mais ou menos até a praia e fiquei lá esperando uns 20 minutos pra ter certeza que ele tinha ido embora, quando eu aí voltei correndo pra casa e tentei não sair até o dia seguinte. 

Babilônia maravilhosa... até parece.

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