Millor Fernandes:


Jornalismo, por princípio, é oposição – oposição a tudo, inclusive à oposição. Ninguém deve ficar acima de qualquer suspeita; para o jornalista, não existem santos.

sexta-feira, 30 de junho de 2017

O MESTRE E A MARGARIDA – BASTA ME CHAMAR DE LÚCIFER




Depois de um longo hiato – provocado por razões profissionais (e algumas pessoais) – caro leitor deste humilde colunista, estou de volta com muitas obras para falar e muita música para indicar na já cativa coluna: Livros Para Ouvir.

Como os leitores desse blog sabem, essa coluna se propõe a mostrar livros que inspiraram canções de rock ‘n roll, gênero que me agrada e faz parte da minha formação cultural na origem e a obra abordada hoje é um clássico que inspirou uma das maiores bandas de rock do mundo e que é tema de um dos maiores clássicos desse gênero tão controverso. A banda? Rolling Stones. A canção? Simpathy for the Devil. O livro? O Mestre e a Margarida.

Escrito pelo autor ucraniano, Mikhail Bulgákov, o livro é considerado a maior obra da literatura russa no século XX e levou doze anos para ficar pronto, além de só ter sido publicado em 1966. Considerado satânico, foi proibido em vários países durante muitos anos, inclusive na então URSS por conta de seu conteúdo extremamente crítico ao regime comunista – do qual o autor era crítico ferrenho e opositor.

E toda essa polêmica foi causada a partir do próprio enredo. Nele, Lúcifer (sob a alcunha de Woland, um mago) chega à Moscou junto com um estranho séquito de demônios: Koroviev, Azazello e Behemoth, um gato que anda sobre duas patas e joga xadrez e provoca um grande estrago na vida dos habitantes da cidade durante a sua estadia. Em paralelo a isso, é narrado o enredo de um livro, cuja a história se passa em Jerusalém, no dia da crucificação de Jesus mostrando o diálogo inusitado entre Jesus e Pilatos.

Tendo o romance entre o Mestre e a Margarida, ele um escritor frustrado e autor do romance em questão, que tem sua obra recusada pelo governo para ser publicada; ela, uma jovem rica, casada e infeliz como pano de fundo para a narrativa, o texto é uma impactante crítica ao regime soviético (sem contar que durante muitos anos foi considerado uma obra satânica). E essa crítica é feita através da passagem de Woland (o Diabo em pessoa).

Através das mortes e punições promovidas por Woland, o autor do livro expõe toda a hipocrisia e problemas provocados pelo regime de Stalin. Ao levar a plateia do teatro ao extremo ridículo de brigar por pedaços de papel ou fazer com que mulheres saíssem nuas pelas ruas da capital russa, Bulgákov – através da personagem – mostra o quanto era gananciosa e sem escrúpulos a população do país. Passagens como o coral que começa a cantar sem vontade e sem se controlar ou o funcionário público que desaparece e sua roupa continua executando a sua tarefa mostram como era nocivo à sociedade a repetição de comportamentos forçada e a burocracia estatal.

O próprio personagem do Mestre é uma espécie de alter ego do autor. Por sua oposição ao regime stalinista, Bulgákov teve suas obras cerceadas pelo governo e colocado em ostracismo (por stalin apreciar suas peças, ele não foi morto pelo regime) pedindo ao ditador para sair do país para que pudesse publicar suas obras. Assim é com o Mestre (seu nome não é citado). Seu livro é recusado e ele entra em depressão, indo parar num hospício ao se ver sem sua amada, Margarida – inspirada na terceira esposa do autor – e sem o reconhecimento da sua obra.
Um livro que explora bastante o realismo fantástico, algo pouco comum na literatura russa de então, a obra deve ser apreciada tanto por sua narrativa inventiva e dinâmica quanto por sua crítica a um regime nefasto que dizimou milhões de pessoas durante as décadas em que foi mantido naquele e em outros países. Sua narrativa foi tão importante para a literatura mundial que não só os Rolling Stones foram inspirados pelo romance, até mesmo nomes de bandas, como o caso da banda de Black Metal, Behemoth, nome esse inspirado no gato infernal. Um abraço e até a próxima.


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