Um dos tristes sinais de nossa época é ver a facilidade com que certas palavras deixam de ser usadas para descrever a realidade para assumir um tom puramente acusatório a fim de limitar ou mesmo impedir o pensamento. Talvez uma das palavras mais nocivas dentro desse aspecto seja "privilégio".
Um privilégio é, em essência, uma vantagem ilegítima conferida a uma minoria, às custas da maioria. Entretanto, o termo foi expandido de forma indefinida, a ponto de ser hoje considerado um "privilégio" qualquer vantagem que uma pessoa ou grupo possa ter sobre outro, independentemente desta vantagem ser legítima ou não ou do fato de ela ser adquirida às custas de outras pessoas ou de não gerar nenhum efeito negativo em outrem além daqueles causados pela inveja e pelo ressentimento.
Nem toda vantagem constitui um privilégio, muitas delas são apenas a consequência de realizações presentes ou passadas. Se você é convidado para debates televisivos ou para palestras com mais frequência que seus colegas graças a seu conhecimento ímpar sobre um assunto, isso não constitui um privilégio, por ter sido fruto de anos de dedicação ao tema. Mas a retórica vigente, no entanto, considera um privilégio qualquer vantagem adquirida graças a realizações passadas, ou mesmo uma maior probabilidade de se alcançar determinados níveis de realizações.
Se você já estudou alguma vez em uma escola particular ou em uma faculdade de ponta, já deve ter ouvido alguma vez que o fato de poder estar ali é um "privilégio". Esse tipo de argumento, em um tom mais acusatório, é repetido ad nauseum pelos defensores de políticas redistributivas ou cotas sociais, como uma tentativa de acusar seus adversários políticos de ganância ou egoísmo. Se essas pessoas fossem sérias, e não meros oportunistas ou iludidos, deveriam ser capazes de ter uma visão de mais longo prazo e ver o que aconteceu em gerações passadas. Em muitos desses casos, tal acusação é apenas um eufemismo para dizer que você tem oportunidades graças aos esforços e realizações de seus antepassados. Gratidão, afinal, parece ser um termo meio fora de moda hoje em dia.
Digamos, por exemplo, que você tenha nascido em um bairro pobre mas tem acesso a uma boa educação porque seu pai trabalha em 2 empregos para dar um futuro digno aos filhos, isso em uma região onde a maioria dos pais são drogados ou abandonam seus filhos. Apenas em um sentido muito restrito você é um "privilegiado" por ter melhores oportunidades que seus vizinhos. Será que essas pessoas que adoram denunciar esses "privilégios" diriam que seu pai também é um privilegiado, ou que há algo de ilegítimo em ter um pai que é um herói em um local onde a maioria dos pais são negligentes, fracassados ou inconsequentes?
Darei outro exemplo pessoal para ilustrar o meu ponto. Meu pai já me contou uma vez que teve praticamente que fugir de casa para poder estudar, tendo nascido em uma família de nível mais modesto, mas aparentemente sem muita estrutura de apoio interpessoal. Tornou-se professor universitário. Na minha infância, notas baixas na escola eram inadmissíveis. Videogames apenas nos finais de semana para não atrapalhar a rotina de estudos, mesmo quando tal rotina era desnecessária.
Já na família de outra pessoa que conheço, por acaso uma empregada doméstica, as coisas já foram bem diferentes. Tendo abandonado os estudos para trabalhar ainda na adolescência, teve 3 filhos. Uma destas reprovou diversas vezes na 4ª série, o que demonstra a diferença de exigência nos estudos entre a família dela e a minha. Em outros casos, fez um de seus filhos perder quase um ano inteiro de estudos por motivos banais que não são inteiramente de meu conhecimento. Ambas as filhas engravidaram ainda na adolescência, e assim o foi com uma das netas. Com menos de 60 anos, já é bisavó.
Será que alguém em sua sã consciência acreditaria que a família dela e a minha, caso tivessem começado no mesmo nível financeiro, teriam as mesmas chances de sucesso considerando tais diferenças de valores e de atitude? Todos aqueles que não acreditam no valor da família deveriam assistir ao filme "Mãos Habilidosas" (Gifted Hands). Baseado em fatos reais, mostra a trajetória do Dr. Ben Carson. Na adolescência, tendo inclusive sido vítima de bullying, não ia bem na escola e tinha problemas de comportamento. Tudo isso mudou graças aos esforços heroicos de sua mãe que, apesar de analfabeta, criou sozinha os 2 filhos e acreditou em seu potencial. Ben Carson formou-se médico e tornou-se um neurocirurgião renomado internacionalmente.
O que realmente importa em muitos casos, mais do que a situação financeira, são as atitudes em relação ao trabalho e estudos. O escritor inglês Theodore Dalrymple, trabalhando em bairros pobres da Inglaterra, já relatou uma vez que os filhos de imigrantes indianos são com frequência mais letrados do que as crianças de outras minorias que estudam nas mesmas escolas. Em Nova Iorque, algumas escolas de elite possuem mais estudantes asiáticos do que brancos nativos, apesar dos asiáticos serem apenas 11% da população local.
Já em outra conversa informal, ouvi comentários de que em comunidades judaicas os estudos são tratados como algo tão sagrado como qualquer outra atividade religiosa, e que entre um dos deveres sagrados do homem está o trabalho a fim de aumentar a prosperidade (inclusive material) de sua família e de sua própria comunidade. Enquanto isso, outras comunidades chegam glamorizar a pobreza e a ignorância, tratando uma vida de privações como moralmente superior ou a leitura de qualquer obra além dos textos sagrados como algo pecaminosos. Quão surpresos deveríamos estar quando constatamos que os imigrantes judeus são com frequência ainda mais prósperos que a própria população local dos países para onde se mudam?
O que realmente tira as pessoas da pobreza é a liberdade de escolha aliada a uma boa estrutura de apoio familiar e valores sólidos, e não o assistencialismo governamental. Por isso boa parte da esquerda nutre um ódio mortal à família tradicional. Enquanto os valores e a cultura não mudarem (e isso não é algo que qualquer política governamental possa alcançar), quaisquer políticas ou denúncias dirigidas à suposta injustiça da "desigualdade de renda" no mundo não passarão de palavras vazias jogadas ao vento.
Millor Fernandes:
Jornalismo, por princípio, é oposição – oposição a tudo, inclusive à oposição. Ninguém deve ficar acima de qualquer suspeita; para o jornalista, não existem santos.
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