Para você, caro leitor deste blog, qual é o papel da
educação? Se você perguntar a qualquer pessoa minimamente sensata, ela
responderá que é transmitir conhecimento. Esse sempre foi o seu papel, desde a
Academia de Platão e desde que Alexandre, O Grande, era aluno de Aristóteles. Mas,
se você perguntar a qualquer profissional da área de ensino – sejam esses
professores ou pedagogos – ele dirá sem medo de errar e com peito inflado de
orgulho que o papel da educação é formar cidadãos autônomos e com senso
crítico. Aí, pergunto a você, leitor deste humilde escriba: o que é alguém autônomo
com senso crítico? Vejamos...
Para que alguém seja considerado autônomo é necessário
que essa pessoa seja capaz de cuidar de si, tomar decisões e ser responsável
por suas ações sem que precise da intervenção de outros indivíduos. Essa pessoa
será capaz de interagir com seus iguais, terá condições de aprender e aplicar
novas habilidades no decorrer da vida. Esse indivíduo será capaz de decidir e
avaliar as consequências de suas ações e terá condições de compreender o mundo
a sua volta.
Já o que se pode chamar de alguém com senso crítico é o
indivíduo que tem a capacidade de avaliar os argumentos favoráveis e contrários
de determinado assunto e refletir sobre os mesmos. É ter um filtro que lhe
permita avaliar os acontecimentos a sua volta, as ideias e preceitos dos mais
variados temas que interferem na sociedade e ser capaz de discernir sobre o que
é certo ou errado, o que é cabível de defesa ou repúdio, enfim, ele é capaz de
fazer uma leitura dos fatos, olhar todos os seus ângulos e decidir por si mesmo
que posicionamento tomar.
Ambas as habilidades são louváveis e importantes para se
viver em sociedade – não discordo disso – e realmente, preparar a pessoa para
essa autonomia cognitiva deve ser o resultado final do processo educacional. Porém,
o modo como se chega a isso atualmente é de se questionar e qualquer um com a
mínima noção de realidade consegue ver que, ao colocar o foco nessas
habilidades, isto é, privilegiar o resultado final em detrimento do que leva a
esse domínio, está tendo um resultado oposto ao que se almeja. Explicarei por
quê.
Como professor de língua portuguesa, sempre começo minhas
aulas perguntando aos meus alunos qual foi a maior invenção da Humanidade,
aquela que permitiu todos os avanços que nos trouxe até aqui. Faço essa
brincadeira para mostrar a importância da invenção da escrita e sua evolução, da
escrita logográfica até a escrita alfabética. E por que estou falando disso? Porque
é justamente nesse ponto que há o equívoco que quero mostrar. Até bem pouco
tempo, acreditava-se que foi o cérebro humano que se adaptou à escrita dada a
sua plasticidade, entretanto, estudos recentes da neurociência – no intuito de
entender como se dá o processo de aprendizado da leitura no cérebro – comprovou
que foi o contrário: foi a escrita que evoluiu da forma logográfica para a
fonêmica para se adaptar ao nosso cérebro, já que ele apresenta limitações
biológicas para sua plasticidade.
Portanto, como toda invenção humana, o nosso cérebro se
adapta para dominar a sua técnica. Diferentemente da língua falada, que é
inata, a língua escrita precisa ser aprendida de forma sistemática e
progressiva para que seja dominada. E essa progressividade deve ser do mais
fácil para a mais difícil e treinada repetida e exaustivamente para que as
funções mais simples do processo sejam armazenadas na memória de longo prazo e automatize
sua ação, para que, assim, a memória de trabalho possa se dedicar a assimilar
as técnicas mais complexas e entrar num ciclo contínuo que se auto alimenta.
E segue essa dinâmica porque o reconhecimento das palavras
passa diretamente pela parte do cérebro que reconhece as imagens e objetos. Significa,
então, que quando estamos lendo, o nosso cérebro pega cada palavra, decodifica
em pequenas partes (grafema/fonema, sílabas, morfemas, palavras) e a seguir, ao
reconstruir a imagem da mesma, associa à sua imagem sonora, pronúncia e, por
fim, chega ao significado. Todo esse processo durando menos de 1 segundo.
Quando se dá, portanto, a alfabetização, o que acontece é
que o nosso cérebro passa por um processo de adaptação e reorganização neuronal
que automatiza todo essa dinâmica nos permitindo dominar a leitura/escrita (esse processo todo é mais complexo, então fiquemos com seu resumo) assimilando progressivamente toda
a estrutura lexical, gramatical, sintática e semântica do idioma. Portanto, o
aprendizado da leitura/escrita deve invariavelmente seguir um processo fonêmico
e ir das menores para as maiores unidades. É o princípio do aprender a ler para
depois ler para aprender.
A importância de se seguir esse caminho é o fato de que
quanto mais dominarmos essa habilidade, melhores leitores seremos e quanto mais
fluentes formos na prática leitora, mais aprenderemos sobre os mais diversos
assuntos, ou seja, para nos tornarmos autônomos e com senso crítico,
invariavelmente, devemos ser alfabetizados da forma tradicional, devemos passar
por um processo educacional que preza pela transmissão de conhecimento prévio
para que posteriormente esse conhecimento se sedimente na memória de longo
prazo alicerçando a aquisição de novas informações. É, pois, o ensino
tradicional que permite que sejamos aquilo que tanto almeja os profissionais de
ensino no país.
Mas, ao contrário do que a ciência diz, nosso sistema
educacional despreza o ensino tradicional. Com o argumento de que essa forma de
lecionar é mecanicista, que tira a autonomia do aluno, que o torna passivo no
seu aprendizado, essa “educação bancária” (usando um termo de Paulo Freire,
nossa maior vaca sagrada educacional) foi demonizada, os educadores brasileiros preferiram,
nos últimos 40 anos pelo menos, adotar teorias pseudocientíficas da moda,
preferiram abraçar preceitos das ciências sociais que não possuem qualquer
comprovação de eficácia – ao contrário disso, países como Finlândia, Grã
Bretanha, EUA, dentre outros abandonaram e abraçaram a volta do ensino
tradicional – teorias essas que carregam mais viés político-ideológico que
propriamente educacional e que estão nas diretrizes basilares do Ministério da
Educação.
Enquanto os países no topo dos rankings educacionais reviram
essas teorias e abraçaram a neurociência para entender como se dá o processo de
aprendizagem no cérebro humano, enquanto países como Cingapura, Coreia do Sul
ou Finlândia (para ficar nos que estão entre os melhores) adotam o modelo
tradicional de ensino, o que se vê no Brasil é uma academia que se mantém
parada nos anos 1960. O que temos é um sistema de ensino pautado exclusivamente
por teorias como o sociointeracionismo ou o construtivismo e abraçando nomes já
refutados como Piaget, Vygotsky, Foucault, Bakhtin e até mesmo o tão laureado
Paulo Freire. Esse último, aliás, dito como grandemente citado ou reconhecido
lá fora, na verdade é citado e reconhecido apenas como uma fraude e nunca tendo sido
aplicadas suas teorias (que na verdade nem são realmente suas, mas isso é assunto para outro texto) em larga escala em outros países.
Portanto, a grande ironia disso tudo é que esse ensino
progressista, abraçando causa ideológicas e levando essas causas para dentro da
sala de aula com a intenção de formar pensadores críticos e cidadãos autônomos (mas fazendo isso desprezando o ensino tradicional), criou nas últimas décadas uma
imensidão de analfabetos funcionais incapazes de compreender conceitos ou
comandos simples, incapazes de avaliar qualquer situação cotidiana mais
complexa, um exército de pessoas que mal conseguem ler um simples artigo como
esse. Ao tentar formar pessoas críticas, criaram zumbis incapazes de pensarem
por si mesmos e que passam seus dias procurando líderes que possam guiá-los por
não terem qualquer autonomia de pensamento ou capacidade de pensar
criticamente. Ao abandonarem um método eficaz e comprovadamente científico, criaram
um país de terraplanistas que são incapazes de aprender qualquer coisa e não
conseguem nem mesmo usar corretamente uma máscara cirúrgica ou entender um
processo de contágio viral. E esse é o monstro que a educação progressista
criou e que consumirá esse país: uma população de neandertais em meio a
civilização ocidental.
Kleryston Negreiros é professor na
rede privada de ensino do Rio de Janeiro e especialista em Gestão educacional.
REFERÊNCIAS:
BENEDETTI, Kátia
Simone. A falácia socioconstrutivista: Por que os alunos brasileiros deixaram
de aprender a ler e escrever. Editora Kírion. DF. 2020
ENKVIST, Inger.
Repensar a educação. Bunker Editorial. SP. 2006.
ENKVIST, Inger. Educação:
Guia para perplexos. Editora Kírion. DF. 2019.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Recomenda-se ao comentarista que submeta seu texto a um corretor ortográfico.
Pede-se o uso de parágrafo, acrescentando-se um espaço entre uma linha e outra.
O blog deletará texto só com letras MAIÚSCULAS.