Millor Fernandes:


Jornalismo, por princípio, é oposição – oposição a tudo, inclusive à oposição. Ninguém deve ficar acima de qualquer suspeita; para o jornalista, não existem santos.

quarta-feira, 3 de junho de 2020

ALUNOS COM SENSO CRÍTICO OU O TERRAPLANISMO DA EDUCAÇÃO

Por: Kleryston Negreiros

Para você, caro leitor deste blog, qual é o papel da educação? Se você perguntar a qualquer pessoa minimamente sensata, ela responderá que é transmitir conhecimento. Esse sempre foi o seu papel, desde a Academia de Platão e desde que Alexandre, O Grande, era aluno de Aristóteles. Mas, se você perguntar a qualquer profissional da área de ensino – sejam esses professores ou pedagogos – ele dirá sem medo de errar e com peito inflado de orgulho que o papel da educação é formar cidadãos autônomos e com senso crítico. Aí, pergunto a você, leitor deste humilde escriba: o que é alguém autônomo com senso crítico? Vejamos...

Para que alguém seja considerado autônomo é necessário que essa pessoa seja capaz de cuidar de si, tomar decisões e ser responsável por suas ações sem que precise da intervenção de outros indivíduos. Essa pessoa será capaz de interagir com seus iguais, terá condições de aprender e aplicar novas habilidades no decorrer da vida. Esse indivíduo será capaz de decidir e avaliar as consequências de suas ações e terá condições de compreender o mundo a sua volta.

Já o que se pode chamar de alguém com senso crítico é o indivíduo que tem a capacidade de avaliar os argumentos favoráveis e contrários de determinado assunto e refletir sobre os mesmos. É ter um filtro que lhe permita avaliar os acontecimentos a sua volta, as ideias e preceitos dos mais variados temas que interferem na sociedade e ser capaz de discernir sobre o que é certo ou errado, o que é cabível de defesa ou repúdio, enfim, ele é capaz de fazer uma leitura dos fatos, olhar todos os seus ângulos e decidir por si mesmo que posicionamento tomar.

Ambas as habilidades são louváveis e importantes para se viver em sociedade – não discordo disso – e realmente, preparar a pessoa para essa autonomia cognitiva deve ser o resultado final do processo educacional. Porém, o modo como se chega a isso atualmente é de se questionar e qualquer um com a mínima noção de realidade consegue ver que, ao colocar o foco nessas habilidades, isto é, privilegiar o resultado final em detrimento do que leva a esse domínio, está tendo um resultado oposto ao que se almeja. Explicarei por quê.

Como professor de língua portuguesa, sempre começo minhas aulas perguntando aos meus alunos qual foi a maior invenção da Humanidade, aquela que permitiu todos os avanços que nos trouxe até aqui. Faço essa brincadeira para mostrar a importância da invenção da escrita e sua evolução, da escrita logográfica até a escrita alfabética. E por que estou falando disso? Porque é justamente nesse ponto que há o equívoco que quero mostrar. Até bem pouco tempo, acreditava-se que foi o cérebro humano que se adaptou à escrita dada a sua plasticidade, entretanto, estudos recentes da neurociência – no intuito de entender como se dá o processo de aprendizado da leitura no cérebro – comprovou que foi o contrário: foi a escrita que evoluiu da forma logográfica para a fonêmica para se adaptar ao nosso cérebro, já que ele apresenta limitações biológicas para sua plasticidade.

Portanto, como toda invenção humana, o nosso cérebro se adapta para dominar a sua técnica. Diferentemente da língua falada, que é inata, a língua escrita precisa ser aprendida de forma sistemática e progressiva para que seja dominada. E essa progressividade deve ser do mais fácil para a mais difícil e treinada repetida e exaustivamente para que as funções mais simples do processo sejam armazenadas na memória de longo prazo e automatize sua ação, para que, assim, a memória de trabalho possa se dedicar a assimilar as técnicas mais complexas e entrar num ciclo contínuo que se auto alimenta.

E segue essa dinâmica porque o reconhecimento das palavras passa diretamente pela parte do cérebro que reconhece as imagens e objetos. Significa, então, que quando estamos lendo, o nosso cérebro pega cada palavra, decodifica em pequenas partes (grafema/fonema, sílabas, morfemas, palavras) e a seguir, ao reconstruir a imagem da mesma, associa à sua imagem sonora, pronúncia e, por fim, chega ao significado. Todo esse processo durando menos de 1 segundo.

Quando se dá, portanto, a alfabetização, o que acontece é que o nosso cérebro passa por um processo de adaptação e reorganização neuronal que automatiza todo essa dinâmica nos permitindo dominar a leitura/escrita (esse processo todo é mais complexo, então fiquemos com seu resumo) assimilando progressivamente toda a estrutura lexical, gramatical, sintática e semântica do idioma. Portanto, o aprendizado da leitura/escrita deve invariavelmente seguir um processo fonêmico e ir das menores para as maiores unidades. É o princípio do aprender a ler para depois ler para aprender.

A importância de se seguir esse caminho é o fato de que quanto mais dominarmos essa habilidade, melhores leitores seremos e quanto mais fluentes formos na prática leitora, mais aprenderemos sobre os mais diversos assuntos, ou seja, para nos tornarmos autônomos e com senso crítico, invariavelmente, devemos ser alfabetizados da forma tradicional, devemos passar por um processo educacional que preza pela transmissão de conhecimento prévio para que posteriormente esse conhecimento se sedimente na memória de longo prazo alicerçando a aquisição de novas informações. É, pois, o ensino tradicional que permite que sejamos aquilo que tanto almeja os profissionais de ensino no país.

Mas, ao contrário do que a ciência diz, nosso sistema educacional despreza o ensino tradicional. Com o argumento de que essa forma de lecionar é mecanicista, que tira a autonomia do aluno, que o torna passivo no seu aprendizado, essa “educação bancária” (usando um termo de Paulo Freire, nossa maior vaca sagrada educacional) foi demonizada, os educadores brasileiros preferiram, nos últimos 40 anos pelo menos, adotar teorias pseudocientíficas da moda, preferiram abraçar preceitos das ciências sociais que não possuem qualquer comprovação de eficácia – ao contrário disso, países como Finlândia, Grã Bretanha, EUA, dentre outros abandonaram e abraçaram a volta do ensino tradicional – teorias essas que carregam mais viés político-ideológico que propriamente educacional e que estão nas diretrizes basilares do Ministério da Educação.

Enquanto os países no topo dos rankings educacionais reviram essas teorias e abraçaram a neurociência para entender como se dá o processo de aprendizagem no cérebro humano, enquanto países como Cingapura, Coreia do Sul ou Finlândia (para ficar nos que estão entre os melhores) adotam o modelo tradicional de ensino, o que se vê no Brasil é uma academia que se mantém parada nos anos 1960. O que temos é um sistema de ensino pautado exclusivamente por teorias como o sociointeracionismo ou o construtivismo e abraçando nomes já refutados como Piaget, Vygotsky, Foucault, Bakhtin e até mesmo o tão laureado Paulo Freire. Esse último, aliás, dito como grandemente citado ou reconhecido lá fora, na verdade é citado e reconhecido apenas como uma fraude e nunca tendo sido aplicadas suas teorias (que na verdade nem são realmente suas, mas isso é assunto para outro texto) em larga escala em outros países.

Portanto, a grande ironia disso tudo é que esse ensino progressista, abraçando causa ideológicas e levando essas causas para dentro da sala de aula com a intenção de formar pensadores críticos e cidadãos autônomos (mas fazendo isso desprezando o ensino tradicional), criou nas últimas décadas uma imensidão de analfabetos funcionais incapazes de compreender conceitos ou comandos simples, incapazes de avaliar qualquer situação cotidiana mais complexa, um exército de pessoas que mal conseguem ler um simples artigo como esse. Ao tentar formar pessoas críticas, criaram zumbis incapazes de pensarem por si mesmos e que passam seus dias procurando líderes que possam guiá-los por não terem qualquer autonomia de pensamento ou capacidade de pensar criticamente. Ao abandonarem um método eficaz e comprovadamente científico, criaram um país de terraplanistas que são incapazes de aprender qualquer coisa e não conseguem nem mesmo usar corretamente uma máscara cirúrgica ou entender um processo de contágio viral. E esse é o monstro que a educação progressista criou e que consumirá esse país: uma população de neandertais em meio a civilização ocidental.
Kleryston Negreiros é professor na rede privada de ensino do Rio de Janeiro e especialista em Gestão educacional.

REFERÊNCIAS:
BENEDETTI, Kátia Simone. A falácia socioconstrutivista: Por que os alunos brasileiros deixaram de aprender a ler e escrever. Editora Kírion. DF. 2020
ENKVIST, Inger. Repensar a educação. Bunker Editorial. SP. 2006.
ENKVIST, Inger. Educação: Guia para perplexos. Editora Kírion. DF. 2019.

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