Nesses mais de dez anos no magistério, desenvolvi duas
habilidades que me ajudam muito a compreender o que acontece ao meu redor: a
capacidade de ver um panorama geral e mapeá-lo nos detalhes e a capacidade de
me aprofundar em algo e condensá-lo para transmitir aos demais. E é isso que
tenho feito nesses 63 dias de quarentena (escrevo esse texto no dia 19 de maio,
já estando em casa desde o dia 16 de março): observar e processar.
O que passei a observar –
acompanhado de estudos feitos nos momentos em que não estou trabalhando nem
tentando me entreter para não entrar em paranoia – foi basicamente o
comportamento dos meus pares (professores), das pessoas comuns em relação a
esse confinamento e a conduta do nosso maluco em exercício, Jair Messias. E
cheguei a algumas conclusões a partir desses meus devaneios, na verdade, a uma
conclusão, que passa invariavelmente pelo mesmo causador: a falta de educação –
aqui no sentido acadêmico mesmo – brasileira e seu pouco apreço pelo
Conhecimento. Mas, vamos por partes.
A primeira coisa que me
chamou a atenção, logo nas duas primeiras semanas de fechamentos de toda ordem no Brasil (as
escolas foram as primeiras a fechar), foi o despreparo e desespero da grande
maioria dos professores em se adaptarem a essa realidade. Por que me chamou a
atenção? Explicarei de forma sucinta: há alguns anos, as escolas privadas – de médio
e grande porte em sua maioria e as pequenas em menor escala – adotam plataformas
online (chamadas AVA – ambientes virtuais de aprendizado) entendendo que essa
geração tem uma relação quase simbiótica com tecnologias móveis e é uma maneira
de estender o conteúdo da sala de aula para fora do ambiente escolar. Além disso, há uma
profusão de plataformas como essas, mas gratuitas; sem contar que nos currículos de
formação de professores –seja graduação ou extensões – o domínio dessas
ferramentas se faz presente.
Bem, onde quero chegar: a
despeito de estarem disponíveis há pelo menos uma década, a despeito de estarem
no currículo da formação docente, a despeito de já serem adotadas em muitas
escolas, o que se viu foi um despreparo absurdo por parte dos docentes (antigos ou jovens) que, via
de regra, deveriam ensinar aos alunos autonomia e prepará-los para a realidade. O
que se viu foi a esmagadora maioria dos profissionais de ensino recusando-se a
aprender novas tecnologias aplicáveis ao seu trabalho e que prepararia seus
alunos para o mercado de trabalho ignorando o seu aprendizado nesses últimos
anos devido a uma visão ludista dessas ferramentas. E o resultado foi a profusão de profissionais endossando o discurso de que o ano letivo deveria ser suspenso,
que isso era ruim e contraproducente, que dessa forma só dariam conteúdo (!?) e
dando razão aos pais que se recusavam a cumprir com sua obrigação de
progenitores que é: educar seus filhos. E mesmo depois de adaptados, muitos
desperdiçam a oportunidade de estarem em casa para se aprimorarem através de
cursos gratuitos online disponíveis (considerando que a alegação de não se
aprimorarem é a falta de tempo e recursos).
Daí parto para outra
observação: o comportamento de pais que bradam que não se importam que seus
filhos percam o ano letivo, que criticam as escolas por estarem criando meios
de cumprirem com seu papel social. Essas pessoas apresentam o mesmo tipo de
egoísmo e ignorância daquelas que saem sem máscara, que não se importam ou
fazem pouco caso da pandemia, que são incapazes de compreender comandos simples
ou, ainda, como bons palpiteiros, debatem até mesmo o uso de procedimentos ou
medicamentos como se especialistas fossem.
Essas pessoas não estão
preocupadas com seus filhos na verdade, apenas não querem ter trabalho ou
ignoram a importância de se criar uma rotina para a criança em tempos de
isolamento, não pesquisam ou tentam entender como é importante emocionalmente
para os pequenos ter um senso de normalidade numa situação como essa. Assim como
o outro exemplo, que não tem a real noção do quão grave é essa pandemia e faz
troça, típico daqueles que ignoram as coisas mais básicas; são os que têm pouca
capacidade cognitiva para compreender comandos simples e agir para a própria segurança.
Assim como os professores citados acima, que são incapazes de usar uma
ferramenta intuitiva ou entender uma frase simples de uma instrução, essas
pessoas são incapazes até mesmo de entender como se usa uma máscara cirúrgica.
E esse comportamento típico de
pessoas com baixa cognição ou baixa capacidade de reflexão é observado no nosso
chefe de estado. Bolsonaro é o reflexo do brasileiro comum; todos nós temos um
tio ou um vizinho com o mesmo perfil: tacanho, grosseiro, visão limítrofe,
desdenhoso com quem sabe mais do que ele e ignorante aos preceitos mais básicos
de civilidade. E esse perfil é refletido nas declarações e posturas dele como o
pouco caso ao fazer piada enquanto se contabiliza dezenas de milhares de mortes
de Covid-19, a irresponsabilidade de politizar uma tragédia pandêmica, impor
sua vontade acima de especialistas, et reliqua. Ele, como os citados acima, ignora a
ciência, despreza o conhecimento, não é capaz de compreender conceitos
básicos e despreza as regras de civilidade ou, no seu caso,
da liturgia do cargo que ocupa.
Mas como tudo isso se
relaciona, irão me perguntar: simples, tudo é fruto de mais de 60 anos de
deseducação no Brasil. O que faz com que tenhamos um povo como o nosso, que
tenhamos presidentes como o Lula, a Dilma e Bolsonaro, que tenhamos professores
que defendam a suspensão do ano letivo e aplaudam pais que se recusam a educar
seus filhos é todo um histórico de práticas pedagógicas adotadas no país que
desprezam o Conhecimento e adotam pedagogias que abraçam ideais igualitário e
progressistas. São décadas de um programa de ensino que visa a formar
professores, ano após ano, que preferem formar cidadãos críticos analfabetos
funcionais a formarem cidadãos capacitados a ingressarem no mercado de trabalho
e se tornarem autônomos (sim, já ouvi isso de um professor). É mais de meio século
formando profissionais de ensino que abrem mão da pesquisa séria e racional e da
busca pelo Conhecimento para legitimarem suas visões subjetivas e ideológicas.
E isso tudo, depois de todos
esses anos de (intencional) formação precária dos profissionais de ensino, de
formação de professores que deveriam abraçar o Conhecimento e sua busca como
um credo (mas que o rejeita), depois de jogar em salas de aula essa turba de néscios
com diploma, o que se vê é toda uma nação – independentemente da idade – no total
vazio moral, na total ignorância, na plena incapacidade cognitiva. E essa
população de homens-massa (para usar um termo de Ortega Y Gasset) acabam por
eleger um dos seus, ano após ano, independentemente do que acreditem, na
esperança de que o mentecapto em chefe possa guiá-los a um futuro promissor. E essa,
senhores, é a nossa real tragédia: sermos neandertais em meio à civilização
ocidental.
Kleryston Negreiros é professor de Língua Portuguesa da rede privada de ensino do Rio de Janeiro e especialista em Gestão educacional.
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