Millor Fernandes:


Jornalismo, por princípio, é oposição – oposição a tudo, inclusive à oposição. Ninguém deve ficar acima de qualquer suspeita; para o jornalista, não existem santos.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Lendo o Mundo Pelos Livros: The Quest for Cosmic Justice

Livros frequentemente nos fornecem explicações melhores sobre o mundo do que qualquer veículo de mídia. Enquanto os jornalistas se focam apenas nas consequências e acontecimentos superficiais, apenas leituras mais profundas nos permitem entender o que ocorre de fato, pois é neles em que se pode alcançar a raiz das grandes questões de nosso tempo. Estou cada vez mais convencido que aquele que lê livros e nenhuma notícia está mais apto a compreender o mundo do que aquele que lê apenas notícias.

Muito disso pode ser alcançado através dos clássicos. Em outros casos, com livros mais técnicos e detalhados. Em raros casos, apenas um resumo ou resenha de um livro pode nos dar uma explicação melhor sobre a realidade do que encontraríamos em qualquer outro lugar. Um desses livros é The Quest for Cosmic Justice, de Thomas Sowell.

Infelizmente ainda sem versão em português, aproveito para deixar aqui uma tradução de uma resenha escrita pelo próprio autor. O diagnóstico feito pelo autor sobre noções deturpadas de direito e justiça é realmente preocupante, mas estritamente necessário nessa época de assistencialismo, vitimismo e interferência cada vez mais acirrada do governo em nossas vidas. Este breve resumo certamente ajudará a entender muito do caos político moderno gerado através de concepções não apenas diferentes de justiça, mas antagônicas, assim como muitos de seus resultados nefastos.


The Quest for Cosmic Justice (A Jornada por Justiça Cósmica)
Por: Thomas Sowell



Quando você tenta condensar um livro representando anos de pensamentos e pesquisa em uma palestra de meia hora, uma certa quantidade de simplificações são inevitáveis. com isto em mente, deixe-me tentar resumir a mensagem de The Quest for Cosmic Justice em 3 proposições que podem parecer axiomáticas, mas cujas implicações são politicamente controversas.

1. O impossível nunca será alcançado

2. Tentar alcançá-lo é um desperdício de recursos preciosos

3. Os custos e perigos sociais devastadores que se seguem a tentativas de alcançar o impossível devem ser levados em consideração.

Justiça cósmica é um dos sonhos impossíveis que tem um custo muito alto e potencialidades extremamente perigosas.

O que é justiça cósmica e como ela se difere de concepções tradicionais de justiça -- e da forma mais recente e fervorosamente procurada de "justiça social"?

Conceitos tradicionais de justiça ou equidade, pelo menos dentro da tradição americana, se resumem a aplicar as mesmas regras e padrões para todos. É isto que se entende por "igualdade de condições" -- pelo menos dentro desta tradição, ainda que as mesmas palavras signifiquem algo radicalmente diferente dentro do quadro que se autodenomina "justiça social". Palavras como "equidade", "vantagem" e "desvantagem", da mesma forma, possuem significados radicalmente diferentes dentro dos quadros de justiça tradicional e de "justiça social".

John Rawls talvez tenha melhor resumido as diferenças quando ele distingue igualdade de oportunidades "justa" de igualdade de oportunidades meramente "formais". Justiça tradicional, equidade, ou igualdade de oportunidades são meramente formais na visão do Professor Rawls e na visão de seus vários seguidores e camaradas. Para aqueles com esta visão, "igualdade de oportunidades genuína" não podem sem alcançadas ao aplicar as mesmas regras e padrões para todos, mas requer intervenções específicas para equalizar ou as perspectivas ou os resultados. Como Rawls coloca, "desigualdades não desejadas pedem por reparação".

Uma luta na qual ambos os boxeadores seguem as regras do Marquês de Queensberry seria uma luta justa de acordo com padrões tradicionais de justiça, independente dos competidores terem ou não a mesma habilidade, força, experiência ou outros fatores que possam afetar o resultado -- e independentemente do resultado ser um empate acirrado ou uma surra unilateral.

Entretanto, isto não seria uma luta justa dentro dos padrões daqueles que buscam "justiça social" se os lutadores entrassem no ringue com perspectivas muito diferentes de sucesso -- especialmente se essas diferenças fossem devido a fatores além do seu controle.

Presumivelmente, a ampla gama de desigualdades encontradas em qualquer lugar são uma falha da "sociedade" e a reparação dessas desigualdades é chamada justiça social, indo além da justiça tradicional de aplicar a cada indivíduo as mesmas regras e padrões. Entretanto, mesmo aqueles que argumentam desta maneira reconhecem que algumas desigualdades não desejáveis podem surgir de diferenças culturais, genes familiares ou confluências históricas de eventos fora do controle de qualquer indivíduo ou sociedade. Por exemplo, não há a menor chance que Pee Wee Reese fosse conseguir tantos "home runs" como Mark McGwire, ou que Shirley Temple corresse tão rápido quanto Jesse Owens. Não haveria a menor chance de que os escandinavos ou polinésios soubessem tanto sobre camelos como os beduínos do Saara -- e nenhuma chance de que os beduínos fossem saber tanto sobre pesca quanto os escandinavos ou polinésios.

Em um sentido, defensores da "justiça social" são extremamente modestos. O que eles estão querendo corrigir não é meramente as deficiências da sociedade, mas do cosmos. O que eles chamam de justiça social abrange muito mais do que qualquer sociedade é causalmente responsável. Paladinos da justiça social buscam corrigir não apenas os pecados do homem, mas também os desígnios de Deus ou os acidentes da história. O que eles estão realmente buscando é um universo feito sob medida para sua visão de igualdade. Eles estão buscando justiça cósmica.

Esta perspectiva de justiça pode ser encontrada em uma grande variedade de atividades e lugares, desde o ativista da comunidade da esquina até as câmaras da Suprema Corte. Por exemplo, uma ex-reitora de admissões na Universidade de Stanford disse que ela nunca exigiu que os requerentes enviassem os resultados dos Testes de Desempenho porque "exigir tais testes poderia injustamente penalizar estudantes em desvantagem no processo de admissão" porque "não é culpa deles que eles frequentemente se encontrem em colegiais que forneciam preparação inadequada para os Testes de Desempenho". Não é culpa deles -- uma das frases recorrentes neste tipo de argumento -- parece implicar que a culpa é da "sociedade", mas os remédios são buscados independente de qualquer evidência empírica de que seja.

Deixe-me ilustrar alguns dos problemas com este tipo de abordagem com um exemplo pessoal. Onde quer que seja que eu ouça discussões sobre igualdade na educação, minha resposta automática é: "Graças a Deus que meus professores não foram justos quando eu era criança crescendo em Harlem". Umas dessas professoras era uma mulher chamada Dona Simon, que era o que poderia ser chamado de General Patton da educação. Cada palavra em sala que continha erros ortográficos tinha que ser escrita 50 vezes -- não na sala, mas na tarefa de casa para a manhã seguinte, em adição a toda a carga de dever de casa que ela e os outros professores passavam. Erre a ortografia de 4 ou 5 palavras e você teria uma noite longa pela frente.

Isto era justo? Claro que não. Como muitas crianças em Harlem naquela época, eu vinha de uma família onde ninguém havia sido educado para além da escola primária. Não podíamos comprar livros ou revistas como as crianças nas escolas de bairros mais afluentes, então era bem menos provável que estivéssemos familiarizados com estas palavras que tínhamos que escrever 50 vezes.

Mas justiça no sentido cósmico nunca era uma opção. Como notado no início, o impossível nunca será alcançado. Nenhuma ação ao alcance das escolas faria as coisas justas neste sentido. Teria sido uma autoindulgência irresponsável se eles fingissem que estão fazendo justiça. Muito pior que injustiça é justiça de faz de conta. Ao invés disso, eles nos forçavam a alcançar padrões que eram mais difíceis para nós -- mas muito mais necessários, uma vez que estes eram nossa principal rota de escape da pobreza.

Muitos anos depois, eu por acaso encontrei um dos meus colegas de escola nas ruas de São Francisco. Ele já era um psiquiatra e possuía uma casa e propriedades no vale de Napa. Conforme nos lembrávamos do passado e comentávamos sobre o que tinha acontecido, ele mencionou que várias de suas secretárias comentaram o fato de que ele raramente errava a grafia de alguma palavra. Minhas secretárias fizeram o mesmo comentário -- mas, se elas tivessem conhecido Dona Simon, não seria mistério.

Também aconteceu de que eu abandonei a escola no Ensino Médio. Mas o que me fora ensinado antes foi suficiente para que eu conseguisse notas maiores no teste verbal do SAT [uma espécie de vestibular americano] do que o estudante médio de Harvard. Isto também pode ter tido algo a ver com minha admissão em Harvard em uma época anterior à concepção da ideia das "ações afirmativas".

E se nossos professores tivessem sido imbuídos com o conceito presente de "justiça"? Claramente não teríamos sido testados com os mesmos testes e submetidos aos mesmos padrões que as crianças dos bairros mais ricos, cujos pais tinham pelo menos o dobro de anos de escolarização que os nossos e com salários provavelmente duas vezes maiores. E onde meu colega e eu estaríamos hoje? Talvez em uma casa de recuperação, se tivéssemos sorte.

E isto não teria sido uma injustiça -- pegar indivíduos capazes de se tornarem homens e mulheres independentes e autossuficientes, com orgulho de suas realizações, e transformá-los em dependentes, clientes, suplicantes, mascotes? Atualmente, o Serviço de Teste Educacional está adotando estudantes de minorias como mascotes ao transformar os exames do SAT em instrumentos normalizados por raça para driblar o número crescente de proibições contra preferências de grupo. O propósito primário dos mascotes é simbolizar algo que faz os outros se sentirem bem. O bem-estar do mascote raramente é uma consideração maior.

O argumento aqui não é contra justiça ou igualdade reais. Ambas estas coisas são desejáveis por si mesmas, assim como a imortalidade pode ser considerada desejável por si mesma. Os únicos argumentos contra qualquer uma destas coisas é que são impossíveis -- e os custos de se buscar sonhos impossíveis não são negligíveis.

Políticas sociais contraprodutivas são apenas um dos muitos custos da jornada pela justiça cósmica. O Império da Lei, do qual uma sociedade livre depende, é inerentemente incompatível com justiça cósmica. Leis existem em todos os tipos de sociedades, das mais livres às mais totalitárias. Mas o império da lei -- um governo feito de leis e não de homens, como costuma ser chamado -- é raro e vulnerável. Você não pode reparar as incontáveis desigualdades que permeiam a vida humana ao aplicar as mesmas regras para todos ou aplicando qualquer regra além de dispensas arbitrárias daqueles no poder. O capítulo final de The Quest for Cosmic Justice está intitulado "The Quiet Repeal of The American Revolution" (A Silenciosa Anulação da Revolução Americana) -- porque é o que está acontecendo pouco a pouco através dos fanáticos devotados a suas visões particulares de justiça cósmica.

Eles não estão tentando destruir o império da lei. Eles não estão tentando minar a república americana. Eles estão simplesmente tentando criar "igualdade de gênero", instituições que "parecem com a América" ou milhares de outros objetivos que são incompatíveis com o império da lei, mas corolários da justiça cósmica.

Uma vez que o cidadão americano comum ainda não abandonou a justiça tradicional, aqueles que buscam justiça cósmica necessitam tentar justificá-la politicamente como se estivessem atendendo a conceitos tradicionais de justiça. Um fracasso em alcançar esta nova visão de justiça deve ser representada ao público e aos tribunais como "discriminação". Testes que registram as inumeráveis desigualdades devem ser representados como sendo a causa destas desigualdades ou como esforços deliberados para perpetuar estas desigualdades ao erigir barreiras arbitrárias aos avanços dos menos afortunados.

Resumindo, para promover a justiça cósmica, eles devem falsear o que está acontecendo como se fossem violações da justiça tradicional -- como entendida por outros que não compartilham de sua visão. Aqueles que fazem tais alegações não necessariamente precisam acreditar nelas. Como Joseph Schumpeter uma vez disse: "A primeira coisa que um homem fará por seus ideais é mentir".

A próxima coisa que o idealista fará é assassinato de reputações. Todos aqueles que discordam com a grande visão devem ser mostrados como gente com intenções malignas ou falhas incorrigíveis de caráter. Suas visões devem ser tratadas como uma "justiça estranha" se eles sobreviverem a esse assassinato de alguma maneira. Devem ser retratados como possuindo alguma "obsessão" pessoal se eles seguirem à risca os deveres que eles juraram cumprir como promotores especiais. Em resumo, demonização é um dos custos da jornada pela justiça cósmica.

As vítimas deste processo não estão limitadas a estes alvos. A sociedade como um todo perde quando suas decisões são feitas através de assassinato de reputações ao invés de discussões racionais e quando o conjunto de pessoas elegíveis para liderança é reduzido através do êxodo daqueles que não estão preparados para sacrificar sua reputação ou sujeitar suas famílias a humilhações pelo bem de alcançar as alavancas do poder. Esta perda não é meramente quantitativa, uma que aqueles que estão dispostos a suportar qualquer humilhação pessoal ou familiar pelo poder são as pessoas mais perigosas a quem se confiar o poder.

Até certo ponto, aqueles apanhados pela visão da justiça cósmica também estão entre suas vítimas. Tendo se comprometido a uma visão e demonizando todos os opositores, como eles irão olhar ao seu redor e sujeitar esta visão ao escrutínio empírico, menos ainda repudiá-la conforme surgirem evidências de seus resultados contraprodutivos?

Ironicamente, a jornada por maior igualdade social e econômica é promovida através de uma desigualdade muito maior de poder político. Se as regras não podem produzir justiça cósmica, sobre apenas o poder bruto como uma maneira de produzir os tipos de resultados sendo buscados. Em uma democracia, onde o poder deve ganhar aquiescência pública, não apenas o império da lei deve ser violado ou burlado, mas também o império da verdade. Por mais nobre que seja a visão de justiça cósmica, poder arbitrário e mentiras descaradas são os únicos caminhos que ainda parecem levar em sua direção. Como dito no começo, os custos e perigos sociais devastantes que se seguem a essas tentativas de alcançar o impossível deveriam ser levados em consideração.

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