Millor Fernandes:


Jornalismo, por princípio, é oposição – oposição a tudo, inclusive à oposição. Ninguém deve ficar acima de qualquer suspeita; para o jornalista, não existem santos.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

ARROGANTE IGNORÂNCIA OU O FIASCO DO ENSINO BRASILEIRO EM 3 ATOS




ATO I

Um dia desses, compartilhei uma postagem que ironizava o ateísmo ao mostrar como o Cristianismo moldou o mundo Ocidental a partir da Idade Média. Como sou católico (menos praticante do que gostaria, confesso) achei interessante, descontraído e repliquei a imagem. Eis que, no decorrer do dia, vi-me, eu e mais alguns da minha lista de contatos da rede social onde postei, envolvido num debate teológico sobre a religião católica e seus benefícios ou malefícios para o mundo medieval e por tabela o atual.

Até aí, nada demais. Muitas postagens minhas rendem discussões, haja vista que minhas posições ideológicas são públicas e procuro ter na minha relação de amigos pessoas de várias tendências ou opiniões, procuro manter uma relação amistosa com todos e ouvir todos os argumentos, mesmo que discorde. Acontece, que o autor da polêmica, que tentou legitimar um discurso ateísta e digladiou com umas quatro pessoas, foi um rapazinho recém-saído do ensino médio, na verdade dois rapazes, que não passam dos vinte anos (um ex-aluno meu, formado no médio ano passado) e um outro também imberbe, amigo de um outro ex-aluno, mas que desconheço.

E isso foi curioso para mim porque esses dois meninos, com pouca ou nenhuma base de conhecimento – tanto por não ter muita idade para empreender um estudo mais aprofundado e amplo sobre o tema, quanto por não terem o hábito de ler – resolveram defender uma ideia cheia de chavões, lugares-comuns de livros escolares do MEC, repleto de achismos e tentavam refutar ou desmerecer argumentos e fontes de: um medievalista, um professor de Literatura (eu), um publicitário e um engenheiro, estes últimos estudiosos de temas conservadores e liberais nas horas vagas.

ATO II

Após a ocupação do Colégio Pedro II, uma aluna minha, contraria a isso, tenta legitimar o ato como forma de protesto e os professores que estimularam os alunos, mesmo que ela própria estivesse sendo prejudicada, já que ela fará o ENEM na próxima semana e as aulas foram interrompidas.

Ao perguntar a ela sobre a razão, se ela (e os demais alunos) tinha lido os projetos de lei que motivaram os protestos e apelar para a falta de sentido disso tudo, quando mostrei a ela que esses mesmos professores que dizem lutar por eles, na verdade, estão apenas atrapalhando as suas vidas, ela teve o gesto mais típico de adolescentes que se deparam com a lógica, racionalidade e a realidade da vida... pediu que me calasse, não queria me ouvir. Nesse caso, sua verdade, seu mundo de protestos e sonhos de mudar o mundo no pátio ocupado da escola – mesmo que as salas estejam vazias e sem aulas, o que é um contrassenso – é mais desejável que o mundo real.

ATO III

Hoje ainda, depois de comentar uma publicação de um amigo católico – sobre a declaração da Arquidiocese do Rio de Janeiro acerca das eleições municipais – um outro ex-aluno, este egresso do Pedro II (o mesmo das saias para meninos e ocupação de alunos sob às bênçãos dos professores e pais prafrentex) e hoje aluno da UFRJ, no alto dos seus 20 anos e quase nenhuma (ou nenhuma) leitura relevante, questionou minha colocação sobre a incoerência de cristãos seguirem discursos de esquerda. Exigiu fontes, apresentou argumentos baseados na Wikipédia, usou um tom irônico para menosprezar dois adultos formados – um deles seu ex-professor e amigo pessoal de sua mãe – e desprezando indicações bibliográficas de autores relevantes sobre o tema.


Pois bem. Três situações muito parecidas com jovens estudantes saídos ou ainda no ensino médio, oriundos de escolas tanto públicas quanto privadas e de diferentes meios socioeconômicos. Todos, entretanto, apresentaram um ponto comum, uma postura arrogante diante de pessoas que haviam estudado mais e por mais tempo que eles, pessoas que já estavam no mundo batalhando, aprendendo, procurando entender o que está ao redor e que possuem mais experiência de vida e de saber.

E esse é o retrato do jovem brasileiro. Uma pessoa que começa a dar os primeiros passos na vida adulta sem qualquer conhecimento, bagagem de leitura, grau mínimo de instrução ou capacidade de compreensão, que acumula meia dúzia de clichês de internet e confronta a todos com sua estupidez arrogante de quem não sabe, não quer saber e tem raiva de quem sabe. Um jovem que é fruto de um sistema de ensino que infla seu ego e esvazia seu cérebro, um sistema que desde cedo diz para ele que é capaz de formar o seu saber a hora que quiser, um sistema que o ensina que é quem detém o poder de mudar o mundo, pois é jovem e são os jovens que possuem o monopólio da mudança.

E, ao inflar o ego desses pequenos ditadores, faz com que se sintam os donos do mundo e da verdade, tornam-nos iconoclastas sem critério e entopem as ruas com pequenos bárbaros que riem da beleza, da erudição, debocham do que é tradicional e se regalam, no alto de sua autossuficiência frágil e insegura, da feiura, vulgaridade e estupidez.



Temos um sistema educacional que, infelizmente, está criando uma não só, mas, pelo menos, umas três gerações de mentecaptos – que desconhecem até o significado dessa palavra – de ignorantes arrogantes que desconhecem a diferença entre um substantivo e um verbo, não sabem o que é a fórmula de Báskara, ignoram o que aconteceu na Europa entre 1938 e 1945 e nem ao menos sabem como o ser humano se reproduz, mas que são senhores de suas ideias, que resumem tudo a uma opinião (eles têm várias e sobre tudo) e se arvoram o direito de até mesmo desmerecerem especialistas, porque no fim, tudo é uma questão de opinião e ponto de vista.

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