Por Kleryston Negreiros
Fui presenteado pelos pais de um aluno essa semana com uma pequena
joia da Ayn Rand. Devorei o livro em um dia e aqui estou para falar dessa obra
que me impactou bastante e é a primeira que a autora idealizou, ainda em sua adolescência nos primeiros
anos do regime socialista na Rússia, e que é um prefácio para o que ela iria
defender no decorrer de sua vida e em seus romances mais conhecidos – A Nascente
e A Revolta de Atlas.
E o texto é uma joia não
pela qualidade da escrita ou rebuscamento do texto, mas pela sua atualidade
quase profética acerca de como as pessoas escolhem cada vez mais abrir mão de
suas liberdades ou de suas identidades como indivíduos para se tornarem parte
de “algo maior”, para vivarem apenas mais uma célula de algum coletivo ou outro
termo abstrato da moda.
A narrativa, por ter sido
pensada por uma então adolescente, é bem simples e até pueril. Com uma
estrutura que (para mim) está mais para um conto do que propriamente um
romance, o livro trata de um indivíduo que luta por sua individualidade e a
percepção de si mesmo numa sociedade distópica onde o que prevalece é o desejo
comum, a vontade da maioria, o mais importante é o todo coletivo e não o desejo
individual. Esse jovem luta para ser apenas ele mesmo.
Ambientada num futuro não
identificado, a sociedade elimina todos os traços de individualidade, as
palavras que carregam esse sentido, por exemplo, foram extintas, não existe EU
ou TU, apenas NÓS e ELES. Até mesmo nomes próprios deixam de existir, como pode
ser visto desde o início da trama pelos nomes das personagens: o protagonista
se chama Igualdade 7-2521.
Igualdade 7-2521 carrega desde
cedo o estigma de ser diferente e se perceber diferente numa sociedade que
busca igualar a todos. Mais alto que os demais e também mais inteligente, é
designado a trabalhar com varredor de rua em detrimento de sua inteligência
pois alegam, é assim que ele será mais útil para todos. Só que não é isso que
ele quer e por ter uma vontade que é relevante só a ele, Igualdade passa a
achar que é amaldiçoado. A trama se desenrola rapidamente desde sua infância
até o momento que se torna um proscrito e escolhe viver longe dessa sociedade
com a mulher que ama (relacionamentos são proibidos por acarretarem escolhas
individuais) e descobre a palavra EU.
Como disse, o texto é bem
simplório, mas é um assunto pertinente e que, por trás da simplicidade da
escrita, revela algo assustador em nossa sociedade que já era exposto por Rand
ainda nos anos 1930 que é a escolha de indivíduos livres preferirem abrir mão
de sua liberdade plena, de sua identidade para abraçar ideias ou bandeiras que
os anulam como ser e faz com que desejem ser apenas um rosto compondo uma face
abstrata ideológica.
Sua atualidade aparece ao
percebermos como pessoas passam a lidar com outras através de slogans e
reducionismos de características. Quando pessoas, que sarcasticamente chamo de “pessoas
do bem” forçam uma conduta coletiva de todos a comerem comida orgânica ou ajudar
uma criança faminta na África, quando pessoas te forçam a aceitar aquilo que
você (por princípios ou quaisquer que sejam suas razões) acha errado e você
passa a ser tido como algum tipo de pária por não seguir o coro dos contentes. São
pessoas que passam a medir seus atos não por seus próprios padrões ou juízo de
valor, mas porque a sociedade ou a maioria ou o coletivo assim o quer.
E isso é muito perigoso. Perigoso
porque a espontaneidade, as escolhas individuais e tudo que é relacionado a uma
vontade de apenas um indivíduo passa a ser condenado porque não condiz com o
que se espera dele, já que ele faz parte de uma sociedade. É perigoso ao
percebermos que tudo, até mesmo a profissão, deve ser pensada e escolhido(a)
não porque lhe apetece ou, sei lá, por que você está pensando no próprio lucro
e sim pelo bem comum.
É uma sociedade que cobra de
cada um a responsabilidade de fazer pelo outro e nunca para si próprio. É um
ambiente onde aquele que defende algo é logo interpelado que isso é errado
porque não privilegia a todos. É a anulação do esforço, do mérito, do
merecimento, o fato de existir já corrobora o direito de ter tudo igual a
todos. E se tudo pertence a todos, nada é de ninguém.
Como todos os livros de Ayn
Rand, esse também é um alerta. Claro que, sendo distopia, há o exagero típico
da ficção, mas a mensagem é clara: não há liberdade ou felicidade dentro de
coletivos. Não há prazer ou vida plena quando a vontade individual é anulada
para privilegiar a todos, ao grupo, ao coletivo. Tudo parte do indivíduo e sua
vontade de ser melhor e proporcionar o melhor para si e assim todos acabam
ajudando-se mutuamente por vontade própria. Tudo parte do indivíduo, mesmo
essas abstrações que tentam se tornar entidades independentes tendo o homem
como célula. O indivíduo é concreto. Sociedade, coletivo, células, grupos, são
abstrações que dependem antes de tudo do ser concreto para existir. Até a
próxima.
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