Por Kleryston Negreiros
Quem frequenta redes sociais e aprecia discussões políticas deve ter percebido uma postura mais aguerrida em todos os lados do espectro ideológico. São aqueles que defendem – com certo saudosismo ufanista – alguma intervenção militar, alguns que enaltecem um ideal de esquerda anacrônico e fracassado historicamente e há, ainda, os que tentam manter um pouco de sanidade (em ambos os lados, a que admitir) nesse embate. Todos buscando um Éden para chamar de seu e mostrar que é o conhecedor da verdadeira felicidade para os demais. E foi nesses extremos ideológicos que fiquei pensando durante e ao término da leitura do livro O Bosque das Ilusões Perdidas, de Alain Fournier.
O livro é a obra única desse escritor, que morreu no campo de batalha durante a Primeira Grande Guerra – curiosamente num bosque e cercado de mistério, haja vista que seu corpo nunca foi encontrado – e conta a história de Augustin Meaulnes. Narrada por seu amigo, François Seuriel, a trama narra a aventura vivida por Augustin ainda em sua adolescência e que provocou uma busca por toda a sua vida, levando-o a uma existência aflitiva e angústia aos que o cercava.
Durante uma fuga da escola (para buscar os avós de François, filho dos donos da escola local), Meaulnes se perde e vai parar numa misteriosa mansão no meio de um bosque e participa de uma estranha fresta. Nesse lugar é também onde o jovem se apaixona pela bela Yvone deGalais, moça misteriosa que cruza seu caminho durante a mágica aventura. Ao regressar, passa então a buscar obstinadamente o caminho de volta ao bosque e a mansão onde viveu o momento mais feliz de sua vida. Essa busca passa a nortear seus anos fazendo com que se torne mais sombrio. O rapaz acredita que só poderá ser feliz novamente quando encontrar a velha casa e a bela moça por que se apaixonara naquela noite de mistério e magia.
Não pretendo me alongar mais sobre o livro para não estragar a leitura de vocês, mas sim da impressão que essa obra me causou e a que reflexão me levou. A história trata de um jovem que tem como único objetivo retornar a um lugar mágico e idílico onde acredita está sua felicidade. Ele passa a alimentar uma fantasia a partir de suas impressões, formadas, aliás, de poucas informações sobre o lugar, a festa e tudo mais a respeito do ocorrido. É um jovem que se recusa a aceitar o fato de que a vida segue e que a felicidade está em como encaramos a realidade, Meaulnes passa os anos seguintes preso a uma puerilidade, a uma rejeição a um amadurecimento natural por viver obcecado por um sonho.
Por estar preso a uma busca onírica, por querer viver preso a um sonho, quando a realidade o assalta e se depara com o que buscava ao seu alcance, porém, sem a magia de outrora, Augustin acaba por não vivenciar aquilo que acreditava ser sua fonte para ser feliz e foge daquilo que tanto desejava. Ao fugir, leva aos que lhe apreiam também dor e aflição por não entenderem o que poderia ainda faltar ao jovem sonhador.
Foi essa busca por um passado idílico, pelo desejo de retorno a uma possível época mais feliz e mágica do livro que me levou a refletir sobre os atuais embates ideológicos. Em ambos os lados, vejo pessoas que idealizam o passado, buscam o retorno a uma época que consideram melhor e mais feliz, uma época onde tudo era mais perfeito e todos os sonhos eram possíveis. São pessoas que olham para trás com o mesmo sentimento do protagonista do livro. Acreditam que a festa no bosque (tempos passados) foi o ápice de sua felicidade e dedicam suas vidas a retornar a essa mansão onírica onde, acreditam, repousa todo o fim dos infortúnios.
Da mesma forma que ainda há (mesmo com a ascensão da new left) de saudosos de uma época de luta, quando ainda vivíamos o calor da Guerra Fria, quando a esquerda ainda possuía certo charme e a burguesia flertava com ditadores sem abrir mão do conforto capitalista, que ainda tentam implantar uma ditadura do proletariado e ainda tentam levantar discursos de lutas de classe, há também o seu antagonismo mais direto, seu nêmesis, a outra face. São as viúvas da ditadura. Aqueles que clamam por uma intervenção militar, defendem a ideia de que nessa época – uma época mágica, onde o país era grande e tudo beirava a perfeição – o país vivia uma espécie de época áurea, acreditam na sua mansão mágica, no seu bosque perdido.
Ambos ignoram os males de suas ideias, ambos negam as mortes, a supressão das liberdades individuais, ignoram o Estado grande, o atraso em relação às grandes nações, ignoram que, independentemente de quem defenda, uma ditadura é sempre algo abjeto. Em defesa dos seus sonhos, de suas ilusões perdidas, não olham de forma racional, clamam algo a partir de emoções distorcidas por uma busca de felicidade perdida, olham para trás como Meaulnes olhava para a Mansão, para o bosque e para a bela Yvone: como um sonho mágico, alheio ao mundo real.
Foram eles que me vieram ao pensamento. Essas pessoas que clamam por uma ditadura para chamar de sua, que querem – em detrimento de todo avanço (apesar de tudo) que tivemos – viver um passado que não cabe mais, querem viver uma ilusão por acreditarem nessa busca pelo Éden perdido nos anos 1960. É lá que buscam sua felicidade. É lá que acreditam que tudo se perdeu e que deve se voltar para resgatar algo que, acreditam, foi destruído. Ignoram que não é a busca pelo passado mágico que se atinge a plenitude e sim vivendo a realidade como ela é e trabalhando para que um mundo cada vez mais livre venha a tornar-se um mundo real e não apenas mais um Éden. Até a próxima.
------------------------------------
Também é membro do grupo Biblioteca Liberal-Conservadora
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Recomenda-se ao comentarista que submeta seu texto a um corretor ortográfico.
Pede-se o uso de parágrafo, acrescentando-se um espaço entre uma linha e outra.
O blog deletará texto só com letras MAIÚSCULAS.